Metade para ti, metade para mim. Há uma noção de justiça nos chimpanzés

O teste utilizado para aferir o sentido de justiça foi aplicado a chimpanzés adultos e a humanos entre os dois e os sete anos. Os resultados são parecidos e mostram que a ideia de justo não é exclusiva da nossa espécie.

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Os chimpanzés em cativeiro foram considerados ameaçados de extinção nos EUA Daniel Munoz/Reuters (arquivo

O desafio chama-se “o jogo do ultimato”. Há uma banca que dá um montante de dinheiro. Um jogador terá de dividir esse dinheiro com um segundo participante que não tem poder de decisão sobre a parte com que fica, mas pode rejeitar a proposta. Se o fizer, os dois jogadores perdem e a banca não liberta o dinheiro. Que prémio é que escolheria para si e para o seu companheiro de jogo? No caso de seis chimpanzés adultos que fizeram este jogo, há uma tendência para dividirem equitativamente o prémio, demonstrando um sentido de justiça que se pensaria ser exclusivo da espécie humana, conclui um estudo publicado nesta terça-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences dos EUA (PNAS).

O jogo do ultimato é o desafio por excelência para se determinar o sentido de justiça nas pessoas. Jogadores dos países ocidentais costumam dividir equitativamente o prémio, mas existem variações noutras culturas associadas ao seu modo de viver.

“O que ainda não é certo é se outros primatas, incluindo um dos nossos parentes mais próximos, o chimpanzé (Pan troglodytes), reagem a este tipo de situação. Isso pode elucidar-nos sobre a base evolutiva da tendência humana para uma distribuição “justa"”, explica a equipa liderada pelo famoso primatólogo Frans de Waal, do Centro Nacional Yerkes de Investigação de Primatas na Universidade de Emory, EUA.

Já se observaram macacos-capuchinho a não cooperar em jogos com humanos, quando viam outros macacos receber recompensas que eles não recebiam. Os macacos mostravam assim que percebiam que estavam a ser alvo de uma injustiça.

Num estudo mais recente, de 2010, feito por Sarah Brosnan, que também é agora autora do artigo da PNAS, mostrava-se algo mais fascinante. Numa situação em que chimpanzés recebem algo de humanos, mas em que um dos animais tem uma recompensa maior, este indivíduo recusa recebê-la. “É como se não estivessem satisfeitos, enquanto todos não recebessem o mesmo. Parece que estamos a aproximar-nos de um sentido de justiça”, comentava Frans de Waal no jornal New York Times.

No jogo do ultimato, o teste vai mais longe. Desta vez, o ónus da justiça (ou injustiça) não recai sobre um humano, mas sobre o chimpanzé - que decide se dá ou não metade do seu prémio a um parceiro símio. Em 2010 e 2011, duas experiências tinham testado chimpanzés com o jogo do ultimato, concluindo que eles eram egoístas. Mas a equipa de Frans de Waal põe em causa essas experiências e disse que os resultados não permitem tirar conclusões sobre o sentido de justiça dos chimpanzés.

Por isso, a sua equipa voltou ao jogo. Colocou seis chimpanzés adultos juntos aos pares. Um dos chimpanzés teria de escolher entre dois objectos: um daria direito à partilha de seis pedaços de banana, em que o primeiro chimpanzé ficaria com cinco pedaços e o outro com o restante. O outro objecto daria direito a uma partilha equitativa da banana.

Depois de escolher o objecto, o primeiro chimpanzé teria de passá-lo ao segundo, que estava numa jaula adjacente e também sabia o valor de cada objecto. Este segundo chimpanzé podia depois dar o objecto ao cientista - nesse caso, o prémio seria repartido. Ou podia deixar-se ficar sem fazer nada durante 30 segundos e, assim, não havia banana para ninguém.

Os cientistas fizeram uma experiência paralela com 20 crianças, entre os dois e os sete anos. Neste caso, a recompensa eram autocolantes.

Tanto os chimpanzés como as crianças que escolhiam os objectos passaram de uma posição egoísta, quando o prémio ainda não dependia da decisão dos parceiros, para uma escolha mais equitativa quando iniciaram o jogo do ultimato. Perto de 70% das vezes escolheram uma distribuição justa do prémio. “Os chimpanzés não só têm um sentido de justiça muito parecido com o dos humanos, como tomam as mesmas decisões que nós”, disse de Waal.

Os autores sublinham que, nas experiências, o chimpanzé que recebe o objecto nunca pára o jogo - talvez por falta de consciência deste poder. Ainda assim, o chimpanzé que escolhe o objecto prefere muitas vezes a opção que resulta numa distribuição mais justa do prémio e que poderá ajudar “a recolher os benefícios da cooperação”, defende a equipa.

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