Rui Vilar diz que Governo deve "transformar" a CGD no Banco de Fomento Nacional

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Não podendo estar presente esta manhã, Rui Vilar enviou carta ao sindicato dos trabalhadores da CGD Foto: PÚBLICO

"Quando ouço falar da privatização de património público, como a CGD ou a Companhia das Lezírias, ocorre-me o lamento que se atribui a D.João II: 'O meu pai só me deixou as estradas do Reino para governar!'", evoca Rui Vilar, ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e da Fundação Gulbenkian, num testemunho enviado aos sindicalistas do grupo estatal.

No mesmo, defende ainda que a eventual venda da instituição visa “tornar líquido um activo" para "reduzir a dívida pública” e que a medida é defendida “por hiperliberais, e nunca teve acolhimento na opinião pública”.

“A evidência da necessidade de intervenção estratégica no sector do crédito revela-se pela própria insistência com que se tem falado da vantagem de possuirmos um Banco de Fomento. Ora ele existe: é a CGD. Não é preciso reinventar a roda!” É deste modo que Rui Vilar se refere à eventual intenção do Governo de criar uma instituição pública que assuma as funções de Banco de Fomento, orientado para a promoção do crescimento da economia. Este tema foi, aliás, abordado, ainda que de forma ligeira, segunda-feira passada, no contexto da última reunião entre Vítor Gaspar e a gestão da CGD, actualmente encabeçada por Faria de Oliveira e José de Matos.

A declaração de Rui Vilar, que esteve à frente da CGD entre Outubro de 1989 e Dezembro de 1995, tendo mais tarde assumido a liderança da Fundação Calouste Gulbenkian – onde seria substituído por outro banqueiro, Artur Santos Silva, ex- BPI –, consta de uma mensagem escrita enviada ao Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo CGD (STEC), liderado por João Lopes, e que esta quinta-feira, durante a manhã, no Hotel Altis Park, em Lisboa, realiza uma conferência/debate sobre a anunciada intenção de privatização do grupo CGD.

Por não poder participar no encontro, por estar em viagem, Vilar escreveu um testemunho, a que o PÚBLICO teve acesso, onde se debruça sobre o passado da CGD e os grandes desafios que tem pela frente. Uma das matérias que aborda prende-se com a eventual intenção do Governo (ou de alguns dos seus membros) de vir a privatizar a CGD, um tema que diz ter sido lançado em cima da mesa “por hiperliberais, e que nunca teve acolhimento na opinião pública e nunca esteve inscrito em nenhum programa de Governo, mesmo quando tinha sido lançado como hipótese nas campanhas eleitorais”, uma referência a Passos Coelho que sempre defendeu esta posição.

Para o ex-presidente da Gulbenkian “esta é uma questão [a privatização da CGD] que também não se coloca a nível europeu, onde a esmagadora maioria dos países membros da UE têm bancos nacionais ou regionais de propriedade pública”. Evoca que “só quatro países em 27 não têm bancos públicos e alguns tiveram mesmo que nacionalizar total ou parcialmente grandes instituições privadas para evitar o risco sistémico da crise financeira”. Aliás, diz, que para Bruxelas “o que importa” é que em termos “concorrenciais, os bancos públicos estejam em pé de igualdade com os privados”.

O ex-banqueiro avisa que “no actual contexto de crise económico-financeira e de elevado endividamento externo" a privatização da Caixa só pode ser encarado com um objectivo: “tornar líquido um activo importante e com esses recursos reduzir a dívida pública. Este é o racional das privatizações e que constam do programa do actual Governo”, mas que, do ponto de vista do encaixe, seria “o pior momento para o fazer.”

Privatização parcial "seria técnica e financeiramente pior"

Rui Vilar defende que “a privatização parcial, que também tem sido sugerida” por responsáveis do Governo e do sector financeiro [como os banqueiros Fernando Ulrich, Nuno Amado e Ricardo Salgado] “seria técnica e financeiramente ainda pior”, pois “uma posição minoritária seria sempre vendida a desconto e em matéria de governance, seria uma fonte de problemas para articular a lógica do accionista privado com a posição maioritária do accionista Estado.” E caso “este se remetesse a uma atitude passiva que permitisse que a estratégia privada fosse dominante deixava de haver razão para manter a maioria do capital no sector público”. Exemplifica: “Se a lógica pública – de apoio às PME e aos sectores exportadores, por exemplo – fosse dominante, o accionista privado não teria certamente muito interesse em investir, prescindindo do maior lucro possível.” Uma iniciativa, portanto, “descabida”.

A gestão da CGD pode ser boa ou má, dependendo “da qualidade dos gestores, da clareza e dos limites do mandados (os objectivo a prosseguir)” que são definidos pela tutela e função e meios que, em cada situação são colocados à sua disposição”. É neste contexto que defende que o Governo deve dar instruções à gestão de José Matos, nomeada por Passos Coelho, para transformar a CGD num Banco de Fomento, dando-lhe orientações claras para assumir aquelas funções de financiamento à economia, em especial às PME e ao sector exportador.

O ex-presidente do grupo público – que não se esquivou a criticar as anteriores administrações do maior grupo bancário privado desde 2000, por terem adoptado estratégicas de alavancagem e por não terem acautelado a “salvaguarda”, a transparência e os critérios da boa gestão [compra de hospitais, entrada no BCP, concessão de crédito em larga escala para compra de acções cotadas de bancos rivais e empresas, entrada nas PPP] –, termina o seu testemunho evocando a História: “Quando ouço falar da privatização de património público, como a CGD ou a Companhia das Lezírias, ocorre-me o lamento que se atribui a D.João II: 'O meu pai só me deixou as estradas do Reino para governar!'” “Não o devemos fazer, pensando nos nossos filhos e netos, até porque algumas das estradas do “Reino” estão no complicado regime das Parcerias Público Privadas”, conclui.

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