Hobsbawm "foi alguém que nunca abdicou dos rigores da disciplina histórica"

O historiador Miguel Bandeira Jerónimo considera que o mais importante legado de Eric Hobsbawm é "uma História simples, no sentido de clara, com uma capacidade de síntese extraordinária com uma atenção enorme perante o detalhe e com um enorme interesse em comunicar o passado de forma inteligível, inteligente e isto é muito importante, de forma rigorosa".

Eric Hobsbawm “é obviamente um dos grandes intelectuais do século XX, alguém que foi extremamente importante para variadíssimas gerações” explica ao PÚBLICO, o historiador Miguel Bandeira Jerónimo numa conversa telefónica. “Influenciou, não apenas a audiência de colegas mais próximos de inspiração marxista, mas também influenciou de forma decisiva alguns autores de uma História bastante mais conservadora”. Por exemplo, o jornal “The Guardian” tem Niall Ferguson a escrever de forma bastante elogiosa sobre o Eric Hobsbawm. “Isaiah Berlin - uma grande figura do pensamento intelectual do século XX - , também olhava para Hobsbawm de uma forma carinhosa e extremamente respeitosa, fugindo um bocadinho, a um debate sobre a obra do Hobsbawm que infelizmente afectou não apenas a recepção da sua obra mas também de muitos historiadores, que é a polarização entre um historiador de esquerda e um historiador de direita, ou um historiador liberal ou um historiador conservador”.

Miguel Bandeira Jerónimo considera que Hobsbawm “apesar das suas convicções e do seu comprometimento público e político, foi alguém que nunca abdicou dos rigores da disciplina histórica.” Para este investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, nota-se isso no modo como atravessou audiências e preferências ideológicas, políticas, partidárias etc. “Foi inovador em muitos aspectos. Foi alguém capaz de uma síntese muito bem-feita entre uma visão de longa duração. Tinha a capacidade de sintetizar grandes processos históricos sem nunca ter deixado de estar interessado no pequeno detalhe histórico, na pequena anedota, na capacidade de compreender o pequeno evento histórico, no fundo decisivo para se compreenderem as motivações dos indivíduos e os contextos mais específicos e até mais locais. Isso é uma coisa muito difícil a que todos os historiadores aspiram atingir e ele atingiu de facto.”

Para o historiador português quando se lê a sua famosa tetralogia percebe-se de “uma forma impressionante” a sua capacidade de dominar diferentes registos. Desde a escrita histórica à análise histórica. Oscilando com “uma facilidade impressionante” do pequeno detalhe, da pequena frase, do grande momento da decisão do actor histórico concreto, até ser capaz de num parágrafo nos explicar a complexidade de um grande processo histórico. “Isso é algo profundamente marcante na obra dele e vai fazer com que continue a ser lido e continue a ser uma fonte de inspiração para muitos de nós”, acrescenta realçando a importância de obras como “Era dos Impérios, mas também um livro que ele edita em 1982, com outro grande nome da historiografia, Terence Ranger: “The Invention of Tradition”. “Este livro, que todos nós devíamos ser obrigados a ler várias vezes, é uma poderosa colecção de ensaios que ilumina os processos históricos de tipo político, ideológico e económico de instrumentalização da identidade colectiva, do passado e do presente”. Dos tempos em que viveu em Inglaterra, Miguel Bandeira Jerónimo recorda a importância que Eric Hobsbawm tinha no debate público: “sentia-se muito a sua presença do intelectual público sempre atento às transformações do seu tempo, um escritor prolífico, de pena fácil, comprometido mas claramente independente. Era uma voz muito activa no debate público e muito inspiradora”.

De certa forma isso até causava estranheza porque “é cada vez mais raro”. Eric Hobsbawm era alguém que “atravessava múltiplos sectores da sociedade britânica, era capaz de dialogar com múltiplas figuras. Temo que aquilo que se vá seguir agora – espero que não – seja uma tentativa de o fechar em alguma esfera político-ideológica, que na minha perspectiva pelo menos não traduz de forma nenhuma aquilo que é o seu mais importante legado: uma História simples, no sentido de clara, com uma capacidade de síntese extraordinária com uma atenção enorme perante o detalhe e com um enorme interesse em comunicar o passado de forma inteligível, inteligente e isto é muito importante, de forma rigorosa”, conclui.

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