Crise forçou corte de três mil milhões nas despesas das famílias até Junho

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Consumir menos é o remédio numa época de crise e de rendimentos mais baixos Foto: Paulo Pimenta

Quase três mil milhões de euros. Esta foi a factura directa da recessão, do desemprego e da austeridade no orçamento das famílias.

No primeiro semestre do ano, os portugueses gastaram menos 2,9 mil milhões do que em igual período do ano passado. E nem bens mais básicos, como os alimentos, escaparam ao corte. Juntando a isso a queda abrupta do investimento, o resultado foi um agravamento da recessão. Um cenário que pode vir a deteriorar-se ainda mais com as novas medidas de austeridade anunciadas ontem pelo Governo.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou ontem que o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,3% em termos homólogos no segundo trimestre, o que representa um agravamento face à queda de 2,3% nos primeiros três meses do ano. Quando comparado com o trimestre anterior, a variação foi de -1,2%, acima dos -0,1% registados entre Janeiro e Março. Segundo o INE, foi sobretudo a redução da procura interna que penalizou o desempenho da economia. E as exportações, apesar de continuarem a ser o único motor, também estão em franco abrandamento.

Com os aumentos de impostos e os cortes salariais a reduzirem o rendimento real das famílias, o consumo privado continua em forte queda. Segundo os cálculos feitos pelo PÚBLICO com base nos dados do INE, só no primeiro semestre, as famílias cortaram em 2,9 mil milhões as suas despesas, o que atirou o consumo privado para o peso mais baixo no PIB desde 2003 - cerca de 61,6%.

Estes números dizem respeito às despesas a preços constantes. Se olharmos para os dados a preços correntes, a diminuição dos gastos foi relativamente menor - menos 1,8 mil milhões de euros até Junho. Só que, aqui, está incorporado o efeito de variação dos preços, decorrente, por exemplo, do aumento dos preços dos combustíveis e da subida do IVA. O corte no consumo é generalizado a todo o tipo de bens, mas tem sido mais acentuado no caso dos bens duradouros, como automóveis ou electrodomésticos. No segundo trimestre, a queda foi aqui de 22,3%. Os bens não-duradouros (como combustíveis e serviços) registaram uma quebra de 5,2% entre Abril e Junho, a maior desde que o INE e o Banco de Portugal têm registo dos dados, ou seja, desde 1979. Num claro sinal de que a crise está a atingir em força os portugueses, o próprio consumo de bens alimentares está em queda, há já quatro trimestres consecutivos.

Há, contudo, um impacto positivo desta quebra-recorde do consumo privado: as importações estão a cair significativamente (-8,1% no segundo trimestre), o que está a contribuir para que o país reduza mais rapidamente o seu défice externo.

O outro contributo positivo vem das exportações, que continuam a crescer, apesar da crise na zona euro. Contudo, também aqui há sinais de perigo. Depois de um primeiro trimestre a crescerem 7,9%, as vendas ao exterior abrandaram o seu ritmo para 4,3%, a taxa de crescimento mais baixa desde a crise de 2009. As exportações de serviços já estão mesmo a cair (-0,4% entre Abril e Junho), enquanto as vendas de bens abrandaram quase para metade. E as perspectivas não são animadoras, numa altura em que a zona euro está à beira da recessão.

Dados ontem divulgados pelo INE mostram que o índice de novas encomendas à indústria acentuou a sua descida em Julho, devido à redução da procura interna e, agora, também da procura externa, que registou a primeira queda desde Janeiro.

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