“Hoje o que está em causa é o estatuto da Madeira na União Europeia”

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Foto: Enric Vives-Rubio

Francisco Costa Responsável máximo do Centro Internacional de Negócios da Madeira diz que acção do Governo na zona franca teve “efeitos colaterais devastadores”.

Para o presidente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Madeira – uma zona franca –, as declarações de Alberto João Jardim de que, se nada for feito para salvar este "território", pedirá a saída do arquipélago da União Europeia, não são uma piada. E resultam da necessidade de rever o estatuto da região no quadro europeu.

Francisco Costa insiste na defesa do CIN, criado nos anos 80 por um governo de Cavaco Silva, e desdobra-se em contactos na imprensa para tentar que Passos Coelho suspenda a tributação dos dividendos e dos juros pagos pelos sócios das empresas com operações na zona franca, o que considera um erro que já levou à perda de mais de 100 milhões de euros de receita fiscal e à saída de milhares de milhões de euros de depósitos.

Como interpreta a declaração de Alberto João Jardim a avisar que se o Governo não adoptar medidas para viabilizar a zona franca do arquipélago avançará com um pedido de saída da Madeira da UE? Foi uma piada ou é para levar a sério?

A forma como interpreto é esta: o que estará em causa é o estatuto da Madeira no âmbito da UE como condição de obtenção de maior eficácia na política de desenvolvimento regional. Na actual situação, a Madeira, de resto como as Canárias, tem uma singularidade: das regiões europeias que têm mecanismos semelhantes aos do Centro Internacional de Negócios [detido por privados e pelo Governo da Madeira], de captação de investimento em sectores de prestação de serviços internacionais, são as únicas que precisam de ter autorização da Comissão Europeia (CE) para ter regimes próprios.


Porquê?

Porque a sua situação de integração plena na UE, sem um estatuto especial e sem ter aquilo que tecnicamente é conhecido como autonomia fiscal suficiente, o regime fiscal do CIN é um regime especial no seio da República. E sendo assim é tratado como ajuda do Estado, o que implica uma autorização prévia da Comissão.


Gostou das declarações de Angela Merkel segundo as quais é preciso criar, nas regiões mais frágeis, zonas económicas especiais, dotadas de regimes regulamentares e fiscais mais suaves para atrair investimento?

As declarações não devem causar surpresa. Neste momento, a maior parte dos países europeus têm zonas económicas especiais ou de empresas especiais, estamos a falar de centenas de regiões com esta natureza. Em relação à Madeira é muito mais importante que o próprio tratado de funcionamento da UE, no Artigo 349, que diz respeito às regiões periféricas, consagre a possibilidade de criação de um instrumento de zona franca para promover o desenvolvimento dessas regiões. É muito mais importante do que aquilo que a sr.ª Merkel possa dizer.


O Governo madeirense acusa Pedro Passos Coelho, que é um aliado das teses de Merkel, de tomar medidas, no que respeita à zona franca, contrárias aos interesses do arquipélago. Porquê?

O Governo tomou uma decisão absolutamente correcta, de reabrir o processo negocial quanto aos plafonds e limites máximos aos benefícios fiscais das empresas, e que foram fechados pelo segundo Governo de Sócrates. A iniciativa tem toda a racionalidade económica, trata-se de conferir maior competitividade e de alinhar um pouco com o que se passa com os seus congéneres europeus. Por outro lado, errou quando decidiu [medida consagrada no Orçamento do Estado para 2012], sem necessidade, cancelar os benefícios fiscais concedidos e autorizados pela CE, no domínio dos dividendos. E tomou outra decisão, do nosso ponto de vista incorrecta, relacionada com os benefícios da banca, que objectivamente levou a que as instituições bancárias transferissem para praças estrangeiras as operações.


Ficou surpreendido?

Tenho grande dificuldade em compreender. Até porque os efeitos colaterais são devastadores. As empresas estão a sair do CIN a um ritmo elevadíssimo. Em 2011, saíram 520 empresas. E este ano até ao fim de Abril já saíram mais 270. O ritmo de admissões era de cerca de 10 empresas por mês, o que não é nada, e este ano caiu para metade, cinco. Isto é um efeito directo das medidas tomadas por este Governo e significa que a região e o país estão a perder receitas fiscais de um montante elevadíssimo.


Tem números?

Posso dizer com uma probabilidade alta, diria com segurança absoluta, que falamos de receitas fiscais efectivas perdidas superiores aos valores anuais da componente receitas do plano de ajustamento económico e financeiro - em relação a 2012, o valor das receitas cobradas a mais junto dos madeirenses em geral é de perto de 126,8 milhões de euros. Em 2013 esse valor é de 89,9 milhões. E as receitas fiscais, só em IRC, perdidas por força da saída das empresas do CIN, são superiores a estes dois valores.


A Madeira e o CIN foram ouvidos pelo Governo antes da tomada da decisão?

Não. E nem sei se o Governo o devia ter feito. Mas devia ter considerado os efeitos das suas decisões que não podem ser corrigidas sem que sejam de novo avaliadas com a CE. Como o Governo cancelou os regimes dos benefícios autorizados pela CE, agora para os retomar terá de voltar a consultar a CE.


Mas não concorda com o facto de as autoridades terem o dever de tomar medidas que dêem transparência ao sistema financeiro, nomeadamente, quando se vive num quadro de crise gerado por erros de governantes e ganância de gestores e banqueiros?

O meu discurso é coerente com o que se passa na Europa, onde os restantes países europeus têm os seus mecanismos de desenvolvimento. O facto é que as decisões do Governo, e que têm um efeito desastroso na Madeira, com saída de empresas, aumento de desemprego e perda de receita fiscal, estão a gerar um sentimento de instabilidade, insegurança e perda de confiança no país. As empresas, e os seus consultores, sabem que a razão por que deixam a Madeira é por decisões da República. Que benefício tem o país, por exemplo, com o corte dos benefícios que levou à saída das operações bancárias que estavam a ser conduzidas através da Madeira, e que foram para as praças de Caimão, Macau ou Luxemburgo? Isto levou à transferência maciça de depósitos para essas praças, quando tanto precisamos em Portugal de liquidez.


Está a falar de que valores?

De biliões de euros.


As zonas francas estão associadas à ideia de lavagem de dinheiro. Numa altura em que tanto se fala de corrupção, o que mina a confiança do cidadão que cumpre, como é que se explica que uma região do país tenha um regime especial?

Há que separar os factos. A zona franca é um instrumento de desenvolvimento económico baseado num sistema fiscal próprio, autorizado pela CE, monitorizado pelas instituições internacionais, que cumpre as regras de transparência e de troca de informações. Portanto, o que se passa no CIN da Madeira, em termos de supervisão e fiscalização é idêntico ao que se passa no resto do país. A única diferença está no regime fiscal. E aqui entronca a sua questão: por que é que há uma região com mais benefícios? Porque se trata de uma pequena economia diferenciada no contexto nacional e que, como qualquer pequena economia, necessita de condições adequadas às suas condições próprias. Aplicar a realidades económicas diferentes políticas iguais não dá bom resultado. Se olharmos para a experiência europeia, vemos que as pequenas economias insulares bem-sucedidas assentam em regimes fiscais capazes de atrair actividades económicas, o que lhes confere sustentabilidade.


Mas a ideia que existe é que as zonas francas estão cheias de escritórios-fantasmas que não geram emprego...

Erradamente. Os serviços internacionais sofisticados geram valor acrescentado e emprego. No final de 2010, o CIN da Madeira dava emprego a 3000 pessoas, com um nível de vencimentos superiores à média geral. Agora há desemprego fortíssimo.


Vão ser tomadas medidas para dinamizar a zona franca da Madeira?

Há que corrigir os erros cometidos: repor a competitividade perdida com a questão dos plafonds, repor a competitividade perdida com a questão dos dividendos.


Portanto, ficar tudo na mesma?

Sobretudo não criar novos episódios sem racionalidade. O que é incompreensível é que se fala de episódios de destruição de actividade económica, de criação de desemprego, de perda de receita fiscal, quando o país precisa desesperadamente de mecanismos que favoreçam o crescimento económico.


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