Renault esquece caso de espionagem industrial e pede desculpa a dirigentes acusados

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Carlos Ghosn vai propor a atribuição de indemnizações aos três quadros da Renault Yuriko Nakao/Reuters

A direcção da Renault colocou um ponto final nas acusações relativas ao caso de espionagem industrial na empresa, com um pedido de desculpas aos três altos dirigentes acusados. O Governo reabriu o caso, dizendo que a direcção deve tirar as conclusões do erro e avisou: “Esta não é o fim desta história interna”.

Conhecidas as conclusões preliminares do Ministério Público (MP) de Paris sobre o caso de espionagem industrial na Renault, que deu como não provadas as acusações a três altos dirigentes da fabricante automóvel, o ministro francês da Indústria, Eric Besson, reagiu hoje lembrando “que decorre um inquérito interno”, conduzido por um elemento externo, que vai permitir “conhecer as responsabilidades exactas” de Bertrand Rochette, Michel Balthazard e Matthieu Tennenbaum na empresa onde o Estado é accionista de referência (com uma participação de 15 por cento no capital).

Demitidos em Janeiro, aos três vai ser proposta a reintegração na empresa e a atribuição de indemnizações, depois de um pedido de desculpas por parte do presidente-executivo da construtora, Carlos Ghosn, que antes da reunião de ontem do conselho de administração da Renault já viera dizer que a honra dos três quadros estava “restaurada aos olhos de todos, tendo em conta o grave prejuízo humano a que eles e as suas famílias foram submetidos”.

Rochette, Tennenbaum e Balthazard – este último, um veterano na empresa, onde trabalhava há 31 anos e até agora com funções executivas – estavam acusados de terem feito passar informação da empresa para o exterior. Em causa estavam fugas de informações confidenciais quanto ao programa de veículos eléctricos, sob sua responsabilidade.

Ghosn – um símbolo de liderança no sector automóvel – disse no final de Janeiro ter provas “e certezas” de os três quadros terem recebido dinheiro em contas no estrangeiro em troca de informações. Mas, com base nas conclusões preliminares do Ministério Público, o CEO da Renault diz agora que investigações realizadas em bancos suíços e no Liechtenstein provaram que as contas bancárias imputadas aos três quadros, que sempre reclamaram inocência, na verdade não existem.

Há muito que as relações Governo-Ghosn se deterioraram. O dossier da espionagem industrial na Renault dura há semanas e, conhecidas as primeiras conclusões do MP de Paris, o Governo poderá esperar até 28 de Abril para tomar uma decisão, já que só nesta altura será conhecido no conselho de administração da fabricante – onde o Estado tem dois assentos – o inquérito interno para atirar a limpo as responsabilidades do caso.

O número um da Renault não fez aquilo que muitos pensavam que pudesse fazer – apresentar a demissão. E François Baroin, porta-voz do Governo, foi à televisão LCI esclarecer, entretanto, que “a demissão [de Ghosn] não é o assunto do dia”, mas, sublinhou, em todo o caso, ser preciso tirar “todas as consequências do amadorismo inverosímil e da indignidade com a atitude [tomada] contra as pessoas que hoje [puderam ser] readmitidas”.

Mas nem por é provável a saída do número um da Renault, escreve o económico francês L’Éxpansion: primeiro, porque o grupo tem traçado um plano estratégico de seis anos e é com Ghosn ao leme que o quer concretizar; e, mais do que tudo agora, quando duas fábricas da Nissan (do grupo Renault) tiveram de encerrar a produção no Japão, por causa do sismo de sexta-feira.

Dirigentes fragilizados

Numa chuva de críticas à forma como Ghosn lidou com o assunto, o grupo de coordenação sindical dos trabalhadores do grupo Renault emitiu hoje um comunicado com palavras duras sobre a direcção: “A arrogância, a altivez, o dogmatismo dos dirigentes da Renault devem dar lugar ao respeito e à auscultação dos trabalhadores em nome do interesse geral”.

Na imprensa nacional e internacional, a mítica marca francesa não tem sido poupada. O Financial Times dedicou o editorial de ontem ao caso, considerando bizarra a forma como a Renault tirou as conclusões do processo.

E Didier Toussaint, autor do livro Renault ou a inconsciência de uma empresa (não editado em português) lembrou no Le Monde como, “quatro anos depois da vaga de suicídios no Technocentre de Guyancourt (Yvelines)”, um caso “rocambolesco abala a instituição ao ponto de fragilizar os dirigentes ao mais alto nível”.

Última actualização às 19h40
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