Jafar Panahi escreve carta aberta aos cineastas do mundo

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O lugar de Jafar Panahi na cerimónia de abertura do Festival ficou vazio Christian Charisius/Reuters

Jafar Panahi, o cineasta iraniano condenado a seis anos de prisão que o Festival de Berlim homenageia este ano como "cineasta do mundo", fez chegar do seu cativeiro à organização do certame uma “carta aberta por ocasião da Berlinale 2011”. A mensagem, que se transcreve em baixo, foi lida por Isabella Rossellini, presidente do júri, na cerimónia de abertura que decorreu na noite de quinta-feira.

“O mundo de um cineasta é marcado pela interligação entre a realidade e os sonhos. O cineasta usa a realidade como a sua inspiração, pinta-a com a cor da sua imaginação, e cria um filme que é a projecção das suas esperanças e dos seus sonhos.

A realidade é que tenho sido impedido de filmar nos útlimos cinco anos e fui agora oficialmente condenado a ser privado desse direito por mais vinte anos. Mas sei que continuarei a tornar os meus sonhos em filmes na minha imaginação. Admito, como cineasta socialmente consciente, que não poderei retratar os problemas e preocupações quotidianos do meu povo, mas não me vou negar a sonhar que, ao fim de vinte anos, todos os problemas terão desaparecido e farei filmes sobre a paz e a prosperidade no meu país quando voltar a ter essa oportunidade.

A realidade é que me privaram de pensar e escrever por vinte anos, mas não me podem impedir de sonhar que, daqui a vinte anos, a inquisição e a intimidação serão substituídas pela liberdade e pelo pensamento livre.

Privaram-me de ver o mundo durante vinte anos. Espero, quando estiver livre, ser capaz de viajar por um mundo sem barreiras geográficas, étnicas e ideológicas, onde as pessoas viverão juntas em liberdade e paz independentemente das suas crenças e convicções.

Condenaram-me a vinte anos de silêncio. Mas nos meus sonhos grito por um tempo em que possamos tolerar-nos mutuamente, respeitar a opinião de cada um, e viver uns para os outros.

A realidade do meu veredicto é que devo passar seis anos na prisão. Viverei os próximos seis anos esperando que os meus sonhos se tornem realidade. Desejo que os meus colegas cineastas em todos os cantos do mundo continuem a criar filmes tão bons que, quando sair da prisão, eu seja inspirado a continuar a viver no mundo que eles sonharam nos seus filmes.

A partir de agora, e pelos próximos vinte anos, sou forçado ao silêncio. Sou forçado a não poder ver, sou forçado a não poder pensar, sou forçado a não poder fazer filmes.

Submeto-me à realidade do cativeiro e dos captores. Procurarei a manifestação dos meus sonhos nos vossos filmes, esperando encontrar neles aquilo de que me privaram.”

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