Brazilian Palace, um hotel para os ocupas de São Paulo

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Crianças comem no interior de uma suite do antigo Brazilian Palace Hotel Nacho Doce/Reuters

São Paulo, capital do estado, 19 milhões de habitantes: nas ruas, perto de 1400 sem casa para viver. São Paulo, centro financeiro, cidade mais populosa do Brasil: quatro edifícios habitados desde Outubro por ocupas do movimento dos sem-tecto.

Hoje, chegaram imagens da Reuters de 1200 ocupas a viver em 43 suites de um hotel devoluto dos anos 80. Avenida Ipiranga: quinze andares, homens e mulheres, crianças e velhos a viver dentro de portas e janelas partidas, quartos degradados, casas de banho desmontadas.

Crianças cozinham, descalças, no interior dos antigos quartos sobre uma alcatifa cinzenta. Outra tira água de uma torneira num corredor com as paredes perfuradas. O cenário é quase de guerra. Fernando José da Silva guarda a entrada do antigo Brazilian Palace Hotel. Noutro canto, talvez mais acima, Alice de Melo lava os dentes numa casa de banho. E há quartos com os números ainda fixados na porta. Lá dentro, podem viver mais de nove pessoas de famílias diferentes.

À porta do edifício, um cartaz denuncia: “O poder público protege os foras da lei que são os proprietários devedores. Reivindicamos igualdade”. As letras estão escritas a maiúsculas. Amarelo sobre fundo preto. E a vermelho: F.L.M. – o nome que engrossa a reivindicação, a Frente de Luta por Moradia.

O movimento dos sem-tecto não é novo, nem tão pouco exclusivo de São Paulo. Desde o início do mês passado têm sido vários os relatos de movimentos de milhares de pessoas que, sem habitação própria ou despejados de locais degradados, se instalam noutros prédios devolutos.

A 4 de Outubro, mais de duas mil pessoas ocuparam quatro edifícios vazios no centro histórico de São Paulo. Também na avenida do Ipiranga, a Justiça de São Paulo decretou a reintegração da posse de um prédio, mas o elevado número de habitantes – cerca de 1200, das quais mais de 350 crianças – obrigou ao adiamento da medida para o dia 25 deste mês.

Ao jornal “Folha de São Paulo”, uma das representantes da FLM, Maria Aparecida Ferreira, adiantou que a desocupação do edifício vai deixar na “calçada” os ocupantes, sem lugar para viver.

No primeiro dia de Novembro, famílias lideradas pelo Movimento de Moradias para Todos (MMPT) tentaram ocupar um prédio de oito andares para reclamar do Governo “moradias definitivas”, explicava ao mesmo diário paulista um dos coordenadores, Juvenal da Conceição Pereira.

A história prolonga-se até hoje. No mesmo dia, no Rio de Janeiro, a polícia federal expulsava 50 famílias que tinham ocupado, dois dias antes, um antigo prédio de quatro andares do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e que exigiam ser incluídas num programa de habitação popular, uma promessa não cumprida pelo Governo, denunciaram ao jornal “O Globo”.

Desvalorização mobiliária

Foi para a zona do antigo Brazilian Palace Hotel, próxima da Avenida Paulista, no centro histórico, que nos anos 80 e 90 se fixaram as classe média e alta, fruto do dinamismo económico que fizera da cidade um grande centro financeiro e económico do Brasil a partir da década de 70.


A história da habitação colectiva não é de agora. Já nos princípios do século XX havia registo dos chamados “cortiços” em São Paulo – um conjunto de casas habitadas em colectivo.

Fonte de peste e de desordem, a inevitabilidade de deslocar a população pobre que habitava os cortiços obrigava à repressão política das pessoas que os habitavam.

Há vinte anos, a questão voltou à praça pública, desta vez já com o nome “Movimento dos Sem-Tecto” na memória.

As elites deixaram de viver na parte histórica de São Paulo, mas Bela Vista, República e outros bairros próximos do hotel mantiveram-se como centros comerciais e zonas de lazer, onde continuam a passar milhões todos os dias. Na verdade, a requalificação urbana trouxe consigo o seu contrário – as diferenças sociais.

Se no início dos anos 90 o movimento parecia desorganizado – com uma pequena parte ligado ao movimento de favelas e outra ao de ocupação de terras –, anos mais tarde, “chegaram a reunir mais de seis mil pessoas” numa única noite, ocupando vários edifícios vazios, escreveu a socióloga Roberta dos Reis Neuhold na tese de pós-graduação sobre os movimentos de moradias e sem tecto na parte central de São Paulo.

Neuhold especifica: “casarões, prédios e terrenos abandonados, domicílios vagos ou semi-utilizados, hospitais, ruínas de edifícios inacabados, instalações industriais e hotéis desactivados”.

“Em muitos casos, os membros dos movimentos instalavam-se nesses imóveis e constituíam ali moradias provisórias, enquanto aguardavam o atendimento em programas habitacionais”, sublinha no mesmo texto.

Luta de 'direitos básicos'

Ainda há dias, São Paulo debateu a ocupação urbana, num encontro em que estiveram presentes vários colectivos de diferentes estados. Uma “luta” que a organização Ocupação Urbana dizia ser sobre “direitos básicos” e a favor de “vidas mais justas”, lia-se no site do Centro de Media Independente do Brasil.


Tendo em conta “o enorme número de imóveis e espaços abandonados que não exercem qualquer função social”, exclamava a organização em forma de pergunta: “Porque não tornar esses espaços degradados em moradias e espaços culturais?!”.

Já em Abril de 2006, o "Estadão" relatava uma série de invasões não consumadas a vários edifícios de São Paulo e uma grande manifestação de populares da União dos Movimentos de Moradias (UMM) em frente à Prefeitura da cidade.

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