Investigadores revelam solução para atacar a sepsis grave

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Rasmus Larsen et al./IGC Portugal

Os investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência identificaram um suspeito altamente tóxico no cenário de infecção generalizada que é a segunda causa de morte em unidades de cuidados intensivos. E, mais do que isso, encontraram a forma de aniquilar este "inimigo".

O doente entra numa unidade de cuidados intensivos em choque, com baixa tensão arterial, sinais de inflamação e infecção e, por fim, vários órgãos do corpo começam a falhar. É um caso de sepsis grave que, segundo as estatísticas internacionais, tem uma taxa de mortalidade que varia entre os 30 e 70 por cento. Porém, uma pesquisa realizada por uma equipa de investigação do Instituto Gulbenkian de Ciência (ICG), e liderada por Miguel Soares, pode alterar este dramático prognóstico. Os investigadores identificaram um “actor” altamente tóxico neste cenário de infecção generalizada. E, mais do que isso, encontraram a forma de o aniquilar.

Se levarmos este estudo para um campo de batalha, encontramos aqui um grupo de pedacinhos de ferro (grupo heme) que são libertados pelos glóbulos vermelhos e que serão os “inimigos”. O enredo inclui ainda as tropas aliadas que vivem no nosso organismo e que, neste caso, é uma molécula (a hemopexina) que se ocupa de neutralizar este terrível grupo.

Em condições normais, o grupo heme existe em pequenas quantidades e será facilmente eliminado do nosso organismo pela hemopexina, sem causar danos. No entanto, num caso de sepsis grave, o inimigo aumenta em número, agravando o seu potencial tóxico mas, por outro lado, a presença da protectora hemopexina não acompanha este aumento e ela gasta-se rapidamente. O grupo heme vence, ataca os órgãos e mata. Os investigadores do ICG (Rasmus Larsen é o primeiro autor do artigo) conseguiram perceber todo este mecanismo. Depois, contaram com a colaboração de Ann Smith (Universidade do Missouri, EUA), para explorar estratégias de ataque ao tóxico grupo heme. Assim, os ratinhos com sepsis grave foram injectados com hemopexina. “A maioria dos ratinhos tratados com hempoxina sobreviveu, contrário ao que aconteceu com os não tratados”, conta Larsen.

Com a colaboração do médico Fernando Bozza (Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro), foram analisadas as amostras de 58 doentes com sepsis grave para que fosse medido nível de hemopexina a circular no organismo verificando-se que os doentes com valores mais baixos não sobreviviam, quando comparados com os outros.

Assim, não só uma análise aos niveis de hemopexina pode servir como indicador de mortalidade como ficou provado que um envio de reforços deste aliado pode ainda funcionar como tratamento da sepsis grave. Actualmente, o tratamento é feito com antibióticos, administração de fluidos, hemodiálise, entre outros recursos. E, como revela a taxa de mortalidade, não resulta demasiadas vezes. “Enquanto muitos medicamentos são eficazes a destruir os agentes patogénicos que provocam a sepsis grave, por si só, esta abordagem não é suficiente para prevenir a morte.

A administração de hemopexina, que protege a destruição dos órgãos, abre portas para um método alternativo para o tratamento da sepsis, que potencialmente pode salvar as vidas de milhares de pacientes em unidades de cuidados intensivos em todo o Mundo”, afirma Miguel Soares, em comunicado. Os resultados, publicados hoje e que merecem capa na Science Translational Medicine, “abrem portas para uma nova monitorização e eventual tratamento da sepsis grave”.

Uma cura? “Claro. Porque não?”, reage o investigador do ICG. Sobra a questão incontornável sobre o quando. Quando é que será possível levar este conhecimento para a prática clínica? "Isso já não está nas nossas mãos. É preciso que alguém se interesse e leve isto para ensaios clínicos". Agora, no laboratório, será altura de saber mais sobre o poder deste grupo heme - que já tinha sido associado à malária - e explorar o inimigo no campo das doenças inflamatórias. O trabalho promete complicar-se, uma vez que, nestes casos, o grupo heme esconde-se noutros sítios e é preciso procurá-lo dentro dos vasos sanguíneos.

Miguel Soares não esconde o entusiasmo com os resultados desta investigação. Da mesma forma que em conversa ao telefone com o PÚBLICO e enquanto procura imagens no seu computador fala do que está a ver como se fosse surpreendido por sucessivas obras de arte. "Esta [imagem] é um espanto!...É a hemoglobina e estas coisinhas aqui azuis são o oxigénio que se ligam a uns pedacinhos de ferro". Os tais pedacinhos de ferro que, em cenário de sepsis grave, são o alvo a abater com reforços da protectora hemopexina.

Miguel Soares faz questão de sublinhar o mérito da Fundação para a Ciência e Tecnologia que, juntamente com outras entidades, foi um dos principais financiadores do estudo. Por outro lado, o investigador também não quer deixar escapar a oportunidade de notar que os dois principais autores do artigo são estrangeiros que estão no IGC. "É um privilégio termos pessoas de altíssima qualidade a trabalhar aqui", considera.

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