Câmara de Lisboa quer premiar quem ajudar a recuperar os edifícios

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Lisboa tem 12 mil edifícios em mau estado, muitos deles devolutos Foto: Luís Pó

Há muito que os inquilinos do prédio reclamam obras de conservação daquele imóvel do centro de Lisboa, mas a resposta do senhorio é invariavelmente a mesma: "Não tenho dinheiro, o banco também não mo dá, mas talvez o conseguisse se vocês me pagassem mais renda." O que a Câmara de Lisboa agora propõe poderá ajudar a resolver o problema de inquilinos e senhorios, através de um sistema de bónus, que funciona como incentivo para ambos.

Segundo os dados oficiais, serão perto de 12 mil os edifícios em mau estado na capital, e é a pensar nestes que a proposta de revisão do Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa apresenta um princípio de solução. A ideia é fazer com que chegue dinheiro ao proprietário do imóvel para a realização daquelas obras, sem que venda outra coisa que não um "crédito de edificabilidade".

Troca apoio por construção

Teoricamente, o princípio, que não é inovador, pode ser explicado desta forma: quem compra um "crédito de edificabilidade" pretende construir na mesma cidade, numa área urbana consolidada, mas pretendia construir um imóvel maior; porém, o plano pelo qual se regem as urbanizações da capital não lhe permite mais que "x" metros quadrados de área de construção; se comprar os tais créditos - cujo valor financeiro reverterá para a recuperação de edifícios -, o promotor imobiliário ou construtor poderá assim conseguir aumentar o índice de edificabilidade do seu próprio projecto. Um índice de 1,2 poderá aumentar até 1,5. É uma espécie de bónus, que será sujeito a um regulamento específico. De acordo com a proposta do PDM, haverá mesmo a possibilidade de se atingir o índice 2 de edificabilidade, caso a zona se situe junto aos grandes nós de transportes colectivos.

A Câmara Municipal de Lisboa, que ontem fez uma nova apresentação à comunicação social dos princípios gerais da proposta de revisão do Plano Director Municipal de Lisboa - cuja discussão pela vereação está agendada para 6 de Outubro -, confia que o expediente do bónus, igualmente aplicável à construção de estacionamento automóvel e no que se refere à eficiência energética dos edifícios, contribuirá para a renovação do degradado parque habitacional.

O processo de intervenção, que se prevê que dure mais de uma década, será inteiramente desencadeado por privados, sendo que a autarquia apenas o vigiará através de regulamentação própria. No entanto, o presidente da câmara, António Costa, e o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, enaltecem as suas virtudes. E sublinham que através da reabilitação daqueles edifícios, muitos deles devolutos, Lisboa estará em condições de combater a perda de habitantes, em curso há décadas, para poder atrair mais residentes e jovens casais para o centro, ou estancar a saída de inúmeros dos seus residentes, que têm optado pelas periferias ou pelos concelhos limítrofes, onde o metro quadrado para habitação se transacciona por valores muito abaixo dos que são praticados na capital.

Ainda o T2 a 500 euros

À estratégia da bonificação junta-se uma outra, já abordada pela câmara no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (PÚBLICO, 17/06/2010), segundo a qual o objectivo de atrair ou fixar residentes passará também pelo sistema das rendas controladas.

Manuel Salgado voltou ontem a referir que deverá ser possível garantir um arrendamento em zona urbana entre 500 e 600 euros por mês, de uma habitação T2 (dois quartos), mediante o mecanismo das compensações urbanísticas previsto em regulamento. Esta regra permitirá ao construtor edificar 25 por cento a mais, desde que, em troca, garanta uma reserva de 20 a 25 por cento dos fogos com um valor de arrendamento fixo, pelo prazo de dez anos, e que se situará entre aqueles valores. A possibilidade de aquisição do imóvel após aquele ou outro prazo a fixar também foi adiantado como hipótese.

O executivo camarário conta levar a proposta de revisão do PDM a consulta pública dentro de dois meses, prevendo que comece a ter eficácia a partir do segundo semestre de 2011.

Pela vitalidade do arco ribeirinho

Mais estratégica do que normativa do que o PDM que está em vigor, desde 1994, a actual proposta de revisão apresenta, como tem reforçado o executivo camarário, quatro áreas estruturantes, das quais a extensa faixa ribeirinha é tida como fundamental para a visão futura da cidade, no enquadramento do modelo territorial. Aquela faixa, que o plano classifica como o principal elemento identitário da cidade, ou o seu cartão de visita, dá particular ênfase à ligação ao rio e preconiza uma mais fácil diluição de barreiras formadas pela ferrovia e rodovia, com particular destaque assim que haja uma aproximação ao Terreiro do Paço.

Na proposta ontem apresentada, merece destaque a valorização da vertente portuária da cidade, seja no entreposto de mercadorias, seja pela deslocação do turismo, área em que a câmara deposita grandes esperanças, pela valorização para o uso público dos territórios conquistados ao porto e do anfiteatro do casario da primeira linha de colinas, como referiu Manuel Salgado, destacando a zona onde será feito o terminal de cruzeiros de Santa Apolónia.

O documento identifica também dois sistemas vitais para o futuro da cidade. O primeiro, ecológico, pretende garantir a biodiversidade na cidade, com a valorização dos vales principais, do parque periférico e das ligações a Monsanto e ao rio.

O sistema de mobilidade terá de ter relevante ligação com os restantes territórios da Área Metropolitana, da qual a terceira travessia do Tejo faz parte.

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