Câmara de Lisboa quer premiar quem ajudar a recuperar os edifícios

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Lisboa tem 12 mil edifícios em mau estado, muitos deles devolutos Foto: Luís Pó

António Costa propõe bónus para captar apoios privados: quem financiar obras nos prédios antigos, poderá construir mais nos seus projectos novos.

Há muito que os inquilinos do prédio reclamam obras de conservação daquele imóvel do centro de Lisboa, mas a resposta do senhorio é invariavelmente a mesma: "Não tenho dinheiro, o banco também não mo dá, mas talvez o conseguisse se vocês me pagassem mais renda." O que a Câmara de Lisboa agora propõe poderá ajudar a resolver o problema de inquilinos e senhorios, através de um sistema de bónus, que funciona como incentivo para ambos.

Segundo os dados oficiais, serão perto de 12 mil os edifícios em mau estado na capital, e é a pensar nestes que a proposta de revisão do Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa apresenta um princípio de solução. A ideia é fazer com que chegue dinheiro ao proprietário do imóvel para a realização daquelas obras, sem que venda outra coisa que não um "crédito de edificabilidade".

Troca apoio por construção

Teoricamente, o princípio, que não é inovador, pode ser explicado desta forma: quem compra um "crédito de edificabilidade" pretende construir na mesma cidade, numa área urbana consolidada, mas pretendia construir um imóvel maior; porém, o plano pelo qual se regem as urbanizações da capital não lhe permite mais que "x" metros quadrados de área de construção; se comprar os tais créditos - cujo valor financeiro reverterá para a recuperação de edifícios -, o promotor imobiliário ou construtor poderá assim conseguir aumentar o índice de edificabilidade do seu próprio projecto. Um índice de 1,2 poderá aumentar até 1,5. É uma espécie de bónus, que será sujeito a um regulamento específico. De acordo com a proposta do PDM, haverá mesmo a possibilidade de se atingir o índice 2 de edificabilidade, caso a zona se situe junto aos grandes nós de transportes colectivos.

A Câmara Municipal de Lisboa, que ontem fez uma nova apresentação à comunicação social dos princípios gerais da proposta de revisão do Plano Director Municipal de Lisboa - cuja discussão pela vereação está agendada para 6 de Outubro -, confia que o expediente do bónus, igualmente aplicável à construção de estacionamento automóvel e no que se refere à eficiência energética dos edifícios, contribuirá para a renovação do degradado parque habitacional.

O processo de intervenção, que se prevê que dure mais de uma década, será inteiramente desencadeado por privados, sendo que a autarquia apenas o vigiará através de regulamentação própria. No entanto, o presidente da câmara, António Costa, e o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, enaltecem as suas virtudes. E sublinham que através da reabilitação daqueles edifícios, muitos deles devolutos, Lisboa estará em condições de combater a perda de habitantes, em curso há décadas, para poder atrair mais residentes e jovens casais para o centro, ou estancar a saída de inúmeros dos seus residentes, que têm optado pelas periferias ou pelos concelhos limítrofes, onde o metro quadrado para habitação se transacciona por valores muito abaixo dos que são praticados na capital.

Ainda o T2 a 500 euros

À estratégia da bonificação junta-se uma outra, já abordada pela câmara no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (PÚBLICO, 17/06/2010), segundo a qual o objectivo de atrair ou fixar residentes passará também pelo sistema das rendas controladas.

Manuel Salgado voltou ontem a referir que deverá ser possível garantir um arrendamento em zona urbana entre 500 e 600 euros por mês, de uma habitação T2 (dois quartos), mediante o mecanismo das compensações urbanísticas previsto em regulamento. Esta regra permitirá ao construtor edificar 25 por cento a mais, desde que, em troca, garanta uma reserva de 20 a 25 por cento dos fogos com um valor de arrendamento fixo, pelo prazo de dez anos, e que se situará entre aqueles valores. A possibilidade de aquisição do imóvel após aquele ou outro prazo a fixar também foi adiantado como hipótese.

O executivo camarário conta levar a proposta de revisão do PDM a consulta pública dentro de dois meses, prevendo que comece a ter eficácia a partir do segundo semestre de 2011.

Pela vitalidade do arco ribeirinho

Mais estratégica do que normativa do que o PDM que está em vigor, desde 1994, a actual proposta de revisão apresenta, como tem reforçado o executivo camarário, quatro áreas estruturantes, das quais a extensa faixa ribeirinha é tida como fundamental para a visão futura da cidade, no enquadramento do modelo territorial. Aquela faixa, que o plano classifica como o principal elemento identitário da cidade, ou o seu cartão de visita, dá particular ênfase à ligação ao rio e preconiza uma mais fácil diluição de barreiras formadas pela ferrovia e rodovia, com particular destaque assim que haja uma aproximação ao Terreiro do Paço.

Na proposta ontem apresentada, merece destaque a valorização da vertente portuária da cidade, seja no entreposto de mercadorias, seja pela deslocação do turismo, área em que a câmara deposita grandes esperanças, pela valorização para o uso público dos territórios conquistados ao porto e do anfiteatro do casario da primeira linha de colinas, como referiu Manuel Salgado, destacando a zona onde será feito o terminal de cruzeiros de Santa Apolónia.

O documento identifica também dois sistemas vitais para o futuro da cidade. O primeiro, ecológico, pretende garantir a biodiversidade na cidade, com a valorização dos vales principais, do parque periférico e das ligações a Monsanto e ao rio.

O sistema de mobilidade terá de ter relevante ligação com os restantes territórios da Área Metropolitana, da qual a terceira travessia do Tejo faz parte.

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