Quem teme a ética na economia?

Ainda há quem tenha medo de assumir valores éticos na actividade económica?

O Manifesto Global Economic Ethic, consultável no site UN Global Compact ou no da APEE, propõe como princípio ético base a dignidade humana, mais os seguintes valores: a rejeição da violência e o respeito pela vida, a justiça e a solidariedade, a honestidade e a tolerância, a consideração mútua e parceria. O rosto principal deste documento é o teólogo Hans Kung.

É a primeira tentativa séria, com o patrocínio da ONU, de estabelecer uma base de entendimento para a prática de negócios a nível global.

Nos ultimos 40 anos, a concentração absoluta na batalha quotidiana pelos "objectivos" foi apresentada como a única que podia garantir o sucesso. Hoje já é apresentada apenas como condição de sobrevivência. Pelo caminho ficou a família, a vida cultural e pessoal, o desenvolvimento espiritual. A fúria do sucesso fez esquecer o "porquê e para quê da vida". Consumir passou a ser a razão de viver numa vertigem cada vez mais acelerada do ciclo "produção-consumo-destruição".

Muitos se opuseram a uma visão do desenvolvimento sustentável que procurava manter este modelo com recurso a medidas paliativas que prolongassem o seu modelo de negócio. Procurou-se difundir a ideia de que o desenvolvimento sustentável seria o mesmo ciclo mais a reciclagem. Quando isso se revelou insustentável porque o consumo de energia não era recuperável e continuou a crescer, escolheu-se o caminho das energias renováveis para manter o ciclo vivo. Ou seja, com energia renovável barata e com a reciclagem dos resíduos poderíamos continuar o actual padrão produtivo. Mas outros defenderam que o problema era o próprio modelo de desenvolvimento, insustentável por assentar em objectivos financeiros e por ignorar a principal razão de ser da economia: satisfazer as necessidades das pessoas. Assim o problema teria de ser resolvido com a ênfase na sustentabilidade e com a procura de um novo modelo de desenvolvimento.

Só com um sustainable lifestyle poderemos criar as soluções que transformarão a vida. É neste contexto que leio o Manifesto, que surge como um "novo contrato social" à escala global, para uma actividade económica orientada para a pessoa humana e para a satisfação das suas necessidades enquanto depositário das anteriores gerações e responsável perante as gerações futuras.

O empresário é por natureza adaptativo, por isso não tem medo destas mudanças. Elas oferecem um campo de novas oportunidades porque vão gerar novos paradigmas de consumo e hábitos de compra. Haverá os que tentarão defender os velhos aparelhos e sofrerão problemas crescentes, mas haverá também os que verão negócio na satisfação destes novos perfis de necessidade. Quem tem medo deste novo ciclo? Os que estão dominados pela ganância do imediato, os que são ignorantes das tendências do futuro? Como sempre, a sorte protegerá os audazes.

Num gesto de audácia, que merece a nossa forte saudação, a Sonae vai submeter os seus gestores ao "juramento ético" da Young Leaders International. Não se é leader por acaso. Será que os empresários portugueses compreenderão este sinal? Ou vão achar que não passa de uma moda e que a Sonae tomou esta decisão para "parecer bem"?

presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Ética Empresarial
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