Fraca adesão à troca de seringas nas prisões pode levar a alargamento de horário

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Os presos não têm confiança no programa de troca de seringas Paulo Ricca

A troca de seringas nas prisões, criada para evitar o contágio de doenças infecciosas entre reclusos, continua a não ter adesão por parte dos reclusos. Na origem do insucesso está o facto de haver horas definidas para o seu funcionamento, o que identifica os reclusos que se injectam.

Uma das propostas de um grupo de trabalho da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida e Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) é o alargamento do horário da troca, afirma o presidente deste último organismo, João Goulão.

O programa de troca de seringas é uma experiência-piloto, iniciada no final de 2007 nos estabelecimentos prisionais de Lisboa e de Paços de Ferreira, ainda sem resultados.

"Há uma falta de confiança no sistema", admite o presidente do IDT. A distribuição de seringas novas e recolha de usadas tem actualmente horas certas", o que significa que "as pessoas que se dirigem aos serviços de saúde a essas horas são identificadas".

Um dos obstáculos na adesão ao programa é o medo de serem identificados "pelo pessoal dos serviços das prisões", diz. "Têm medo de ser penalizados", por exemplo, vendo dificultadas as saídas precárias, explica o responsável.

As propostas de mudança, que incluem o alargamento do horário da troca, foram enviadas no mês passado aos Ministérios da Saúde e da Justiça, entidades a quem caberá decidir se avançam, explica. O Ministério da Saúde diz que ainda está a avaliar o documento.

Contaminados com VIH/sida

Dados do Programa de identificação precoce e prevenção da infecção VIH/sida direccionado a usadores de droga (Klotho) revelaram que quase 30 por cento (28,5 por cento) já estiverem presos ao longo da vida, e quase um quinto destes (17,4 por cento) injectou drogas na prisão. O programa inquiriu, durante o ano passado, 10.716 toxicodependentes que recorreram a estruturas de tratamento ou foram abordados por equipas de rua.

João Goulão explica que esta percentagem de reclusão se fica a deverá sobretudo a delitos como furtos e não tanto ao consumo de drogas, que foi descriminalizado, e que os dados sobre droga nas cadeias estão de acordo com estudos anteriores.

Sete por cento (748 pessoas) dos consumidores de droga responderam ter VIH/sida e 96,3 por cento aceitaram fazer teste rápido para o VIH/sida (através de uma picada no dedo em que é recolhida uma gota de sangue): destes só uma pequena percentagem teve teste reactivo (1,1 por cento) e, nesse universo, só metade (51,4 por cento) tiveram a infecção confirmada - ou seja, dos 8961 que fizeram teste rápido apenas 54 tiveram confirmação laboratorial de VIH/sida.

O presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência diz que através deste programa se concluiu que existe "mais um défice de registo [da doença] do que de rastreio".

Material partilhado

O programa Klotho, uma iniciativa conjunta da Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida e do IDT, pressupõe que os toxicodependentes diagnosticados sejam logo referenciados para um hospital, um sistema "que está a funcionar de forma desigual. Depende dos hospitais".

Metade dos inquiridos (50,7 por cento) diz ter partilhado material de injecção alguma vez na vida.

Questionados sobre o uso do preservativo, só 22,3 por cento dos toxicodependentes diz usá-lo de forma consistente com parceiro regular. Goulão acredita que entre toxicodependentes, tal como acontece com a população em geral, o contágio por via sexual estará a aumentar.

A heroína continua a figurar como a droga de eleição neste grupo de toxicodependentes, sendo que a maioria diz ter-se injectado pela primeira vez dos 15 aos 19 anos. A faixa etária de inquiridos mais presente é a que vai dos 30 aos 39 anos (46,3 por cento).

Os dados das notificações de VIH/sida durante 2008 dão conta de 57,6 por cento de transmissões heterossexuais, 21,9 por cento de casos associados à toxicodependência e 16,8 notificações de homossexuais e bissexuais, refere o último relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge sobre a situação da infecção no país.

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