Cinemateca dedica ciclo a David Wark Griffith

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A filmografia de Griffith atinge os 500 títulos DR

É um acontecimento há muito anunciado: a partir de hoje e até Junho, a Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, apresenta a mais completa retrospectiva alguma vez realizada entre nós da obra de David Wark Griffith (1875-1948), raiz do cinema narrativo (isto é, do cinema tal como o conhecemos) ou "o homem que fez tudo em primeiro lugar", como afirmou o crítico Kevin Brownlow.

A retrospectiva inclui cerca de meia centena de filmes, mas está longe de ser integral: a filmografia de Griffith atinge o colossal número de 500 títulos, variando entre os três minutos de duração e as três horas e meia ("Intolerância", 1916). É o que faz dele uma espécie de "gourmet" de historiadores e cinematecas, que anualmente se reúnem nas Jornadas de Cinema Mudo, em Friuli, Itália, onde o "Griffith Project", criado em 1997, proporciona a visão sistemática da obra do realizador.

Este é apenas o segundo ciclo da Cinemateca dedicado a Griffith - o primeiro realizou-se em 1980 -, e uma oportunidade de redescoberta, não só porque as cópias exibidas têm o selo de restauro do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque), um dos principais guardiões da obra do realizador, mas porque também incide num período mais "inacessível" do seu trabalho, a dos filmes realizados para a companhia de produção Biograph, entre 1908 e 1913.

Falar de Griffith, ou exibir Griffith, implica sempre lidar com a questão delicadíssima do polémico "O Nascimento de Uma Nação/The Birth of a Nation" (1915), o épico sobre a Guerra Civil americana tão aclamado como obra fundadora da idade adulta do cinema quanto rejeitado pela sua ideologia racista, pró-esclavagista. Ainda hoje, nos Estados Unidos, continua a ser um filme a evitar e, tanto quanto se sabe, ninguém se atreve a exibi-lo. A Cinemateca Portuguesa não faz por menos: é o filme (tão famoso quanto pouco visto?) que inaugura, esta noite, às 21h30, a retrospectiva.

O lugar central de "O Nascimento de Uma Nação" na obra do seu autor deve-se ao facto de integrar e ampliar todas as inovações técnicas trazidas ou condensadas por Griffith para a linguagem cinematográfica: a montagem paralela (alternância de duas ou mais linhas de acção) e o "last minute rescue" ("salvamento de último minuto"), dois mecanismos de construção de "suspense", e o "travelling". Logo se verá como é que os restantes filmes do ciclo irradiam a partir de "O Nascimento de Uma Nação". Os títulos de Griffith para a Biograph são vistos como ensaios, trabalhos de aprendizagem que preparam a grandeza e a complexidade espectacular de "O Nascimento de Uma Nação" e "Intolerância", que será exibido amanhã, às 21h30.

É na Biograph, onde começa por trabalhar como argumentista pago à peça e actor, que Griffith faz a sua estreia na realização, em 1908, com "The Adventures of Dollie" (dia 3 de Maio, 19h30). A oportunidade surge quando um dos realizadores mais regulares da Biograph, Wallace McCutcheon, adoece e Griffith é desafiado a tentar a sua vez. O resultado deve ter sido considerado competente já que, quando estreia, um mês depois, nas salas, Griffith já tinha rodado mais cinco filmes.

Entre a primeira e a última realização de Griffith, "The Struggle" (1931), um dos seus dois únicos sonoros, a ser exibido em Junho, contam-se "westerns" ("The Battle at Eldesburgh"), "gangster movies" ("The Musketeers of Pig Alley", largamente reverenciado por Martin Scorsese), filmes históricos ("Abraham Lincoln"), proto-"peplums" ("Judith of Bethulia"), comédias ("Three Sisters") e, entre outros, filmes de mulheres, presenças etéreas para quem o mundo exterior é uma ameaça, e que tiveram na actriz Lilian Gish a sua principal personificação.

No melodrama "The Painted Lady" (1912), tido como um dos mais belos e conseguidos trabalhos para a Biograph - e que será exibido amanhã, pelas 19h30 -, a heroína morre com a sua própria visão ao espelho, acto que também é fatal para Gish em "O Lírio Quebrado/Broken Blossoms" (1919), tragédias sexuais e (involuntariamente?) freudianas.

Impossível dizer o que seria o cinema sem Griffith. Na descrição heróica do escritor americano James Agee, ele "atingiu a indústria do cinema como um tornado. Antes de ter entrado num estúdio, os filmes eram, de facto, estáticos". Mas é possível dizer como era antes dele: um cinema menos interessado em contar uma história do que em montar um espectáculo, demasiado próximo do "vaudeville". Com Griffith, a narrativa cinematográfica aburguesou-se. Somos todos "griffithianos". Até os filhos de "Matrix".

Retrospectiva David W. Griffith

: Cinemateca Portuguesa. R. Barata Salgueiro, 39. Tel: 213596200. Bilhetes: 2,5 euros. Até Junho.

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