Um blusão de três chávenas de café

Antes que alguém pergunte que tecidos faz a Singtex, Jason Chen coloca um blazer preto, estica-lhe de sopetão as mangas e de seguida rega-o com água. Em vez de rasgarem ou descoserem, as mangas esticam um bom palmo para lá da mão e, fica provado, a água não molha. O casaco continua direito, normal. O fundador da empresa pergunta que material é este. Ouve respostas, todas erradas. E anuncia: “Borra de café.”

No país que se especializou sobretudo em fabricar e montar electrónica de consumo, a Singtex é a única têxtil entre as 100 principais marcas e a única que reutiliza mensalmente duas toneladas de borra de café das lojas Starbucks. Na sede de cinco andares em Taipé, Jason Chen conta a história de como um dia, a beber um café, foi desafiado a pensar numa forma de reutilizar um desperdício que representa, na verdade, 99,8% do café. “Não há que deitar fora, porque não há ‘fora’. O planeta é só um”, afirma.

Chen diz que demorou quatro anos até chegar ao tecido que queria e a S. Café tornou-se a sua marca, porque “o café é bom para vestir”. Nascida em 1998, a Singtex tem 800 trabalhadores, em Taiwan e no Vietname, e duas fábricas a produzir “o têxtil do futuro”, como lhe chama com entusiasmo. Dedica à investigação e desenvolvimento 10% do seu pessoal e 3% do volume de negócios anual.

Cada peça de vestuário, a partir do café já transformado em polímeros e óleo extraído, é feita de fios e membranas que resistem ao esforço, à água, ao frio e absorvem os odores – tudo o que o desporto e as actividades de ar livre precisam. “Que tal um único fato para  trabalhar, andar de bicicleta e subir montanhas?”, propõe Jason. Utiliza ainda garrafas de plástico recicladas: cada blusão reutiliza o equivalente a três chávenas de café e 12 garrafas e consome, com isso, menos 25% de materiais derivados do petróleo.

A preocupação ambiental estende-se à energia, “só gás natural”, ao tratamento de resíduos e à alimentação. Na cantina da Singtex, todos comem vegetariano.

Quem compra estes têxteis são as grandes marcas de roupa desportiva e outdoor, sobretudo dos EUA, Europa e América do Sul. Nas paredes e prateleiras do edifício alinham-se mais de uma centena de logótipos dos clientes, os prémios de inovação e de certificação ambiental.

E a China? A Singtex já lá esteve e voltou. Teve problemas de qualidade e pressão para deixar copiar a sua tecnologia. Voltou a centrar-se em Taiwan e na sua fábrica no Vietname. “Não nos preocupamos em ser copiados, porque somos nós que marcamos a tendência”, responde.

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A Gogoro produz "scooters" inteligentes, eléctricas, que se vêem nas ruas de Taipé e que estão quase a chegar a Amesterdão Pichi Chuang / Reuters

Os tecidos da Singtex são na aparência iguais a outros, mas são diferentes. Na Gogoro, as scooters, na aparência iguais a outras, também são diferentes. É a única produtora de scooters inteligentes, eléctricas, que se vêem nas ruas de Taipé e que estão quase a chegar a Amesterdão, apesar de a empresa ter arrancado nem há um ano. Numa loja da marca, elege-se o modelo, manuseiam-se baterias, escolhem-se as peças exteriores coloridas, desmontáveis e personalizadas, tantas quantas se quiser, para ir mudando “quando apetece”, refere Jessica Chuang, porta-voz da empresa.

Entre o desafio de dar às cidades transportes mais sustentáveis e o de agradar a diferentes idades, a Gogoro concebeu um veículo feito em grande parte em carbono, com as mesmas baterias fornecidas à Tesla, contando com uma fábrica e 700 trabalhadores.

Os elementos fundamentais numa Gogoro são as duas pequenas baterias de lítio discretamente escondidas sob o assento e o modelo da rede de substituição de baterias. Na hora de as trocar, o telemóvel procura os pontos mais próximos da rede de abastecimento (200 em Taiwan neste momento) de postos de combustível tradicionais, lojas de conveniência, mas também cafés e lojas de brinquedos. E este é um ponto que faz a diferença. “Quem conduz uma Gogoro anda pela cidade, é mais fácil e mais rápido parar à porta de um café ou de uma loja.” A pequena dimensão das baterias, com autonomia para 100km a uma média de 40km/h e com vida para 2000 recargas, exige também pouco espaço.

Amesterdão gostou da ideia e vai comprá-la. Com a cidade europeia a crescer, e não o podendo fazer em altura, a câmara procurou uma alternativa que respondesse a maiores distâncias de transporte mas fosse ao mesmo tempo verde. O pedido de certificação europeia das Gogoro está a decorrer e as primeiras scooter deverão chegar à capital holandesa até ao final do ano.

Uma Gogoro custa entre 2400 e 3000 euros, um preço acima da média, mas o subsídio que o Governo dá de quase 700 euros por ser eléctrica torna-a mais acessível aos mais jovens. A empresa também quer atrair consumidores com mais idade, rendimento e consciência ambiental. Jessica Chuan reivindica que “esta não é uma scooter normal, é a Tesla das scooters”.

E a China? Com planos para a Europa e para os EUA, a China “não é a prioridade”, responde.

Em Dezembro passado, tanto a Singtex como a Gogoro estiveram em Paris nas sessões empresariais associadas à Conferência do Clima (COP21), que funcionaram como grandes montras mundiais da inovação e da sustentabilidade. “Não há outro caminho a não ser ser-se mais verde”, para Jessica Chuan.

Taiwan foi 20.º maior exportador e o 18.º maior importador do mundo, em 2014, de acordo com a Organização Mundial de Comércio. Mas, ao especializar-se como grande fornecedor mundial de electrónica e cada vez mais dependente da China, descobriu também a sua vulnerabilidade ao arrefecimento da economia internacional e à crise da dívida do euro.

“Temos de trabalhar mais e aumentar o nosso investimento”, proclama Charles Chou, o investigador associado do Instituto de Pesquisa Económica de Taiwan. O que se prevê para 2016 são uns anémicos (para o ritmo asiático) 1,6% de crescimento económico, a seguir a um ano em que não chegou sequer a 1%. Há 12 meses consecutivos que a produção industrial do território está em queda.

Empresas como a Gogoro e a Singtex são apresentadas como o novo “rosto” económico de um território que criou fornecedores gigantes da electrónica de consumo como a Foxconn e a Pegatron. Tem marcas como a HTC, a Acer e a Asus, mas sem o peso do sector da manufactura. A Foxconn representa 40 por cento das vendas mundiais da electrónica de consumo, é a maior do planeta. É a grande fornecedora da Apple e da Huawei. Há pouco mais de três semanas anunciou que vai expandir a sua produção no continente chinês, onde já emprega 1,2 milhões de trabalhadores, para tirar partido de custos laborais mais baixos e da proximidade à chinesa Huawei e para compensar a queda das vendas da Apple. A Pegatron e a Acer têm fábricas na China.

O Governo pede às empresas que sejam inovadoras, que olhem para o mercado do Sudeste asiático como extensão do doméstico e promete-lhes apoios. É juntar um novo desafio ao modelo baseado na subcontratação e sem tecnologia própria e que fez de Taiwan um dos milagres económicos da Ásia. Ao mesmo tempo, as duas economias separadas por 180 quilómetros de água estão hoje mais interligadas e a dimensão da China vai-se impondo.Em 2000, a economia chinesa era quatro vezes maior do que a sua, hoje é cerca de 20 vezes.

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