Trump e Sissi, um amor à primeira vista que promete relação duradoura

Visita do Presidente do Egipto à Casa Branca legitima a mão de ferro que tem usado contra a oposição, enquanto Donald Trump ganha um amigo "contra o terrorismo".

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Donald Trump descreveu Sissi como "um tipo fantástico" Carlos Barria/Reuters
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Há pouco mais de um ano, o Presidente do Egipto foi alvo de crítica e chacota por ter chegado à inauguração de um bairro social numa gigantesca passadeira vermelha, no Cairo, com o seu país mergulhado numa profunda crise económica. Esta segunda-feira, Abdel Fattah al-Sissi voltou a chegar a um importante evento numa passadeira vermelha, mas desta vez não havia tapete, só uma porta escancarada e um sorriso aberto à sua espera na Casa Branca: depois da zanga com Barack Obama, Sissi caiu nos braços de Donald Trump e voltou a cair nas boas graças dos Estados Unidos.

A amizade entre os dois começou em Setembro, em Nova Iorque, numa altura em que poucos acreditavam numa vitória de Donald Trump contra Hillary Clinton. No Hotel Plaza, em plena 5.ª Avenida, o então candidato do Partido Republicano conheceu "um tipo fantástico": Abdel Fattah al-Sissi, então como agora Presidente do Egipto.

Depois dos piropos trocados entre os dois desde que Trump chegou à Casa Branca, em Novembro, o romance foi confirmado esta segunda-feira – primeiro logo na chegada à Casa Branca, com um caloroso aperto de mão (desta vez não foi o Presidente dos Estados Unidos quem sem deixou levar pelo entusiasmo), uma sorridente troca de palavras e uma palmadinha nas costas; e depois na curta comunicação sem direito a perguntas, quando Donald Trump deixou Sissi inchado de orgulho com muitos elogios à forma como tem governado o Egipto.

A química entre os dois líderes é tão visível que seria preciso recuar até aos tempos da amizade entre George W. Bush e Tony Blair para encontrar um paralelo – Donald Trump e Sissi foram feitos um para o outro, e a relação tem tanto de interesse como de partilha de uma visão do mundo.

"No caso de ainda haver dúvidas, quero deixar bem claro que apoiamos totalmente o Presidente Sissi. Ele tem feito um trabalho fantástico numa situação muito difícil", disse Donald Trump, repetindo depois a promessa de reforço da máquina militar norte-americana. Mas o que interessava mais ao Presidente dos Estados Unidos era sublinhar que o Presidente do maior país árabe é, a partir de agora, um amigo do peito: "Quero dizer-lhe, sr. Presidente, que tem em mim, e nos Estados Unidos, um grande amigo e um grande aliado."

O Presidente egípcio devolveu os elogios, mas fez questão de começar com uma referência velada a Barack Obama, e ao facto de o antigo Presidente norte-americano nunca o ter convidado para visitar a Casa Branca: "Deixe-me agradecer o amável convite que me fez para visitar os Estados Unidos. Esta é a minha primeira visita de Estado aos Estados Unidos desde a minha eleição, e é também a primeira visita em oito anos de um Presidente egípcio."

Mas o que aconteceu desde que Barack Obama saiu da Casa Branca para que o Presidente do Egipto deixasse de ser tratado como um conhecido que se tolera, e voltasse a ser tratado como um amigo do peito que se apoia em qualquer circunstância? Aconteceu Donald Trump, em Novembro do ano passado.

Quando o então general Sissi ajudou a depor o ex-Presidente islamista Mohamed Morsi, em 2013, a Administração Obama teve o cuidado de não usar a palavra "golpe", mas o incómodo era evidente: os EUA suspenderam a transferência anual de 1,3 mil milhões de dólares em ajuda militar para o Egipto. Mas, em 2015, já depois de Sissi ter ganho as eleições presidenciais, Obama cedeu e voltou a abrir os cofres, com o argumento de que essa ajuda era essencial para combater o terrorismo, em particular os extremistas do autoproclamado Estado Islâmico.

A Administração Obama deu muitos sinais contraditórios em relação ao que se foi passando no Egipto nos últimos seis anos: em 2011 defendeu a Primavera Árabe e a deposição do autocrata Hosni Mubarak; em 2012 felicitou o islamista Mohamed Morsi pela vitória nas primeiras eleições livres no país; em 2013 congelou a ajuda militar após a deposição de Morsi num golpe liderado por Sissi; e em 2015 restaurou o apoio financeiro ao Egipto, já com Sissi no poder.

Em Donald Trump, o actual Presidente do Egipto deverá encontrar estabilidade: com o convite para a Casa Branca, a sua mão de ferro foi finalmente legitimada pela maior potência mundial, e poderá continuar, nos próximos tempos, a perseguir e deter em condições muito duras milhares e milhares de opositores – dos violentos inimigos islamistas no Norte do Sinai, aos activistas que apenas reivindicam mais liberdade.

Em Sissi, o actual Presidente dos Estados Unidos deverá encontrar um aliado disposto a servir de poster para fazer frente às acusações de que é anti-muçulmano; para engrossar ainda mais a voz na promessa de luta contra o terrorismo; e para trazer de volta à região a influência do Egipto no eterno conflito israelo-palestiniano.

No banco de trás do automóvel que chegou esta segunda-feira à Casa Branca ficam os direitos humanos: "Convidar Sissi para uma visita oficial a Washington enquanto dezenas de milhares de egípcios apodrecem em celas e quando a tortura é outra vez usada no dia-a-dia, é uma forma estranha de construir uma relação estratégica estável", comentou Sarah Morgan, directora da organização Human Rights Watch em Washington.

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