Paquistão aprova lei para acabar com homicídios de honra

Mais de mil mulheres morrem todos os anos devido a esta relíquia medieval. A nova lei impede que a família perdoe ao assassino.

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Qandeel Baloch foi assassinada em Julho AFP

Parece uma relíquia medieval, mas faz parte do dia-a-dia das mulheres paquistanesas: todos os anos pelo menos mil são assassinadas para “lavar a honra” da família. Para tentar pôr acabar com esses crimes, o Parlamento paquistanês aprovou, por unanimidade, uma lei que pretende acabar com uma falha legislativa que permite aos assassinos serem perdoados pelos familiares.

Tasleem Rajhu tinha 18 anos e vivia nos bairros de lata nos arredores Norte de Lahore. Apaixonou-se por um cristão – que se converteu ao Islão, por amor a Tasleem. Mas casar com alguém vindo de outra religião seria uma vergonha para a família pobre e piedosa, de pouca educação, martelavam todos os dias de Mubeen, o irmão mais velho, os seus colegas, desafiando-o a agir.

“Diziam-lhe ‘Não consegues fazer nada? O que é se passa contigo? Não és homem nem és nada’”, recordou Ali Raza, um colega de Mubeen na siderurgia, à repórter da Associated Press Kathy Gannon. “Era melhor que matasses a tua irmã. Sempre era melhor do que permitires esta relação”, desafiavam-no.

Mubeen Rajhu, que acha que tem 24 anos mas não tem a certeza, sentia-se muito incomodado. Suplicava à irmã que deixasse de namorar com aquele homem. “Ela não me ouvia”, contou à AP. Mas obrigou-a a jurar sobre o Corão, o livro sagrado do Islão, que nunca desafiaria a família e tentaria casar-se com o ex-cristão.

Um dia comprou uma pistola. Mas não a usou até descobrir que a irmã se tinha casado secretamente com o ex-cristão. Então matou-a, sem uma palavra, na cozinha da casa de família. “Não podia deixar passar. Tinha de a matar. Não havia escolha”, contou à AP, na prisão, depois de ter morto a irmã em Agosto.

Mas, até agora, crimes como os de Mubeen Rajhu são vistos com muita leniência. O pai de Tasleem e Mubeen só tem palavras de condenação para a sua filha. “A minha família está destruída. Foi tudo destruído por causa daquela rapariga desavergonhada”.

O valor do perdão

Depois de Mubeen ter morto Tasleem, o pai foi apresentar queixa à polícia – o que é frequente nestes casos. O objectivo não é punir o assassino, mas preparar terreno para perdoar o assassino.

De acordo com a nova lei, os familiares da vítima – quase sempre uma mulher – podem perdoar aos assassinos, se estes forem condenados à morte pelo que fizeram. Mas ainda assim, terão de cumprir uma pena de prisão perpétua. É impossível acabar de todo com o perdão – uma tradição da lei islâmica que os líderes religiosos não querem ver desaparecer.

Foi também aprovada outra lei, que torna obrigatória uma pena de 25 anos de prisão para crimes de violação, diz a Reuters – tudo numa sessão conjunta das duas câmaras do Parlamento, transmitida em directo pela televisão.

“Estas leis são muito importantes para as mulheres do Paquistão, porque quase não há condenações por violações, em grande parte devido aos obstáculos em aceder à justiça”, explicou à Reuters Yasmeen Hassan, directora executiva global da organização não-governamental Equality Now.

O Paquistão está em penúltimo lugar no Índice Global de Desigualdade entre os Sexos de 2015, ultrapassado por países como a Arábia Saudita. Mais desigual só o Iémen.

Na verdade, o número de assassínios em defesa da honra tem aumentado, segundo os números da Comissão dos Direitos Humanos do Paquistão: em 2015, morreram 1184 pessoas, 1005 em 2014 e 869 em 2013. As mulheres são atacadas com armas de fogo, cortadas, queimadas com ácido, estranguladas, enforcadas, violadas – nas casas de família ou em público.

“Obrigada, primeiro-ministro Nawaz Sharif, por cumprir a sua promessa”, disse no Twitter Sharmeen Obaid Chinoy, realizadora de A Girl in the River: The Price of Forgiveness, nomeado este ano para os Óscares, em referência à iniciativa legislativa do governante, após o homicídio, em Julho, de Qandeel Baloch, uma estrela paquistanesa das redes sociais – a quem chamavam a “Kim Kardashian do Paquistão” – pelo seu próprio irmão.

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