O partido milionário de Taiwan está em apuros

Enquanto governava a ilha sem prestar contas, o Kuomintang juntou milhões de dólares em investimentos em empresas semi-públicas e até hotéis. Os novos governantes de Taiwan querem saber de onde veio esse dinheiro.

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Richard Chung / Reuters

Durante décadas, o Kuomintang (KMT) acumulou um vasto património privado, fazendo do partido nacionalista chinês uma das mais ricas formações políticas do mundo — há quem diga que é mesmo o partido mais rico do planeta. O novo governo de Taiwan quer agora investigar a origem da riqueza do partido rival e anunciou esta quinta-feira o congelamento da sua conta bancária.

Em 2015, dados do Governo, citados pelo Wall Street Journal, apontavam para que o KMT tivesse activos no valor de 25,6 mil milhões de dólares taiwaneses (727 milhões de euros). Os seus críticos, especialmente no Partido Democrata Progressista (PDP), dizem que a vasta fortuna acumulada tem origem no passado autoritário dos nacionalistas e que chegou a hora de ser devolvida ao Estado. No Kuomintang fala-se em “caça às bruxas”.

Em 1949, os nacionalistas chineses perderam a guerra mas ganharam uma fortuna. Depois de saírem derrotados na guerra civil contra a guerrilha comunista liderada por Mao Tsetung, os partidários do Kuomintang — apoiados pelos EUA — viram-se obrigados a fugir para a Ilha Formosa. Cerca de dois milhões de pessoas acompanharam o líder histórico nacionalista Chiang Kai-shek na fuga para Taiwan, para onde levaram uma grande parte das reservas de ouro do Estado e vários artefactos valiosos das dinastias milenares chinesas que até ali estavam na Cidade Proibida, em Pequim.

Aos tesouros que levou para a ilha, o Kuomintang juntou ainda os activos e empresas exploradas pelo Império Japonês, que ocupou Taiwan durante 50 anos, até ao final da II Guerra Mundial (1945). Essa riqueza ajudou Chiang a cimentar o seu poder à frente da República da China — considerada a entidade política soberana chinesa, em oposição aos rebeldes comunistas que lhes tinham tomado o poder.

Durante 40 anos, o Kuomintang governou a ilha de forma autoritária ao abrigo da lei marcial que ainda vinha dos tempos da guerra civil, justificada pelo receio de uma invasão. Partido e Estado confundiam-se e, apesar de terem um regime comunista como rival, o sector económico e empresarial de Taiwan era praticamente dominado pelo Governo. “Bancos estrangeiros emprestavam a empresas geridas por ambos [Estado e privados] em condições iguais e empresas multinacionais encaravam tanto as empresas estatais como as partidárias como parceiros preferenciais para estabelecer negócios conjuntos”, descreve o académico Karl Fields, num estudo publicado no final dos anos 1990 sobre o papel do Kuomintang na economia.

Os tentáculos do partido — que é conhecido como “KMT, Inc.” — estenderam-se a praticamente todas as áreas da economia. A imprensa local aponta para participações do KMT na banca, na área financeira, em empresas petroquímicas e de comunicação social, entre muitas outras. Através de uma das suas holdings, o partido abriu em 1997 um hotel de luxo em Palau, uma ilha no Oceano Pacífico que é um dos poucos países a manter relações diplomáticas integrais com a República da China.

O partido-empresa

O levantamento do estado de excepção, em 1987, abriu caminho para a reforma democrática de Taiwan. A oposição passou a ser autorizada, foram organizadas eleições e em 2000 o Kuomintang chegou mesmo a perder o poder para o PDP. Foi a partir desta altura que as atenções se começaram a centrar na fortuna privada do partido. “Embora a separação entre o partido e o Estado tenha forçado o KMT a abrir mão da maioria dos privilégios e rendimentos de que dispunham muitas das suas empresas, o partido conseguiu organizar de forma bem-sucedida as empresas partidárias como empresas ‘privadas’ fora da inspecção e do controlo tanto do público como da oposição”, escrevia Fields em 1998.

Pela mesma altura, a Economist traçava um panorama do Kuomintang, cuja passagem para um sistema democrático parecia não ter trazido muitas mudanças. “Pelo menos metade dos rendimentos do KMT no ano passado veio da venda de acções e valores mobiliários, e o seu braço de investimento Kuang Hwa está a financiar dez empresas em Silicon Valley, com um olho em investimentos em empresas tecnológicas em locais como o Sudeste Asiático, Israel ou a República Checa.”

É certo que o KMT foi ficando mais “pobre” nas últimas décadas. No início dos anos 2000, a imprensa local calculava que o partido possuísse activos entre os 200 e os 500 mil milhões de dólares taiwaneses, embora os seus líderes tenham reportado apenas 62,8 mil milhões.  

A derrota nas eleições de Janeiro deixou os nacionalistas numa posição de fragilidade como nunca conheceram: não só perderam a Presidência para Tsai Ing-wen, como também ficaram sem a maioria no Parlamento. O PDP viu nesta vitória sem precedentes uma oportunidade histórica para encostar o Kuomintang ainda mais à parede e a fortuna do partido é um dos pontos principais da sua estratégia.

Em Agosto foi estabelecida uma comissão governamental para investigar a origem das propriedades e rendimentos do KMT, comissão essa que nesta quinta-feira anunciou o congelamento de uma conta bancária do partido no valor de 468 milhões de dólares taiwaneses (13 milhões de euros). A comissão acusa o partido de ter levantado de forma ilegal cerca de 520 milhões poucos dias depois de ter sido lançada a investigação.

O lançamento da investigação foi criticado pelo Kuomintang como uma “caça às bruxas” e a lei foi descrita como “inconstitucional e não-democrática”. O partido que governou Taiwan décadas a fio enfrenta desde a derrota eleitoral uma crise profunda, com grande parte dos analistas a considerarem que a agenda pró-Pequim do anterior Presidente alienou grande parte do eleitorado, sobretudo o mais jovem.

A derrota de Janeiro não terá sido, portanto, uma surpresa, dizia recentemente à revista Asia Sentinel o professor da Universidade de Nottingham, Steve Tsang. “Não vejo como o KMT poderia ter ganho as eleições presidenciais, independentemente dos recursos financeiros à sua disposição, uma vez que um partido que não estabelece laços com o eleitorado não consegue vencer.”

 

 

 

 

 

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