Michelle vai contar a sua história à América

Aos 50 anos, Michelle Obama quer sair com distinção da mais política das missões que assumiu desde que chegou à Casa Branca. Pretende ajudar a diminuir o abandono escolar e promover o ensino superior junto dos mais desfavorecidos.

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O comboio liga o World Trade Centre, na Baixa de Manhattan, a Journal Square, em Nova Jérsia. Nele, corre um texto sem imagem, impresso junto à porta, bem perto do lugar onde um homem cabeceia, esquecido. Sai-se de Nova Iorque e lê-se que 24% dos jovens de Nova Jérsia abandonam a universidade. Projecta-se ainda um número: 100% de frequência concluída é o único objectivo satisfatório. Acrescenta-se: para voltar a colocar a América no topo da lista dos países com maior índice de escolaridade superior.

No comboio, poucos parecem olhar a frase. É mais uma e nem se destaca do horóscopo, do tempo que vai fazer e traz mais calor por estes dias, do jogo onde se adivinha o rosto de uma celebridade numas palavras cruzadas de nível muito fácil. São escassos minutos entre os dois estados. Nova Iorque e Nova Jérsia. Mas a geografia conta pouco para dizer de uma desigualdade que é de pele e é de condição social e económica e viaja toda no mesmo comboio. Mudança de cenário. Na televisão, numa casa qualquer da América, Beyoncé, a superestrela da pop que vende milhões e há um ano cantou o hino americano na gala da tomada de posse do segundo mandato de Barack Obama, vem falar de género e de cor e do estigma e da segregação, apelando à defesa das minorias, escrevendo aos altos governantes. O que é estar à margem na América, neste ano de 2014? Vago.

Estar à margem não será, no mundo que os Obama simbolizam, situação para ser conjugada de igual forma em todos os tempos, mas o facto é que continua a atravessar o atlas norte-americano, com números mais ou menos impressionantes no ano seguinte ao do 50.º aniversário da morte de Martin Luther King Jr., um ano marcado por recordações de discursos e denúncia de continuidade de segregação. Racial e não só, já que é impossível separar questões étnicas de questões económicas e sociais. Hoje, mais do que em 1954, ano do Brown versus Board of Education que veio determinar inconstitucional o tratamento diferenciado nas escolas por altura da grande migração do Sul rural para as cidades do Norte do país.

Passaram 60 anos. São efemérides, dirão os mais cínicos. À equação brancos e negros há que juntar os latino-americanos e uma conjuntura de crise que afasta das universidades quem não pode suportar os custos cada vez mais elevados da educação que levou muitas famílias norte-americanas a contraírem dívidas que hoje não são capazes de pagar. Na tentativa de traçar o quadro, esquece-se sempre algo. Mas importa lembrar ainda a frase do comboio, a de um abandono escolar mais marcado agora do que há cinco anos, quando Barack e Michelle Obama chegaram à Casa Branca, levando com eles uma ideia de mudança que, mais uma vez, não era só de cor, mas também era. Inevitável. Era também de atitude, de geração, de valores.

"Estou em grande forma"

É neste xadrez complexo que Michelle Obama acaba de entrar como peça decisiva no momento em que completa cinco anos de Casa Branca e 50 de vida. O Presidente decidiu oferecer-lhe uma festa privada. Em público, procuram-se as marcas de distinção nesta data redonda. Quem é Michelle Obama aos 50 anos? Os amigos garantem que mais segura do que em 2009, quando, a 20 de Janeiro, entrou como primeira-dama em Washington.
Barack tinha 47 anos. Michelle, acabado de fazer 45. O Presidente tem agora 52 e a primeira-dama fez 50 na passada sexta-feira, dia 17. Celebrou-se à porta fechada para um grupo restrito. A festa acabou. Era ontem, sábado, na Sala Este da Casa Branca.

Michelle LaVaughn Robinson Obama, natural de Chicago, onde nasceu em 1964, convocou um grupo de amigos, de modo pouco convencional, para um baile, dias depois de chegar de umas férias prolongadas no Havai, de onde regressou a Washington dias depois de Obama e das filhas. “Tragam sapatos para dançar e comam antes de vir”, citação resumida de um convite que muitos especialistas em etiqueta consideraram grosseiro, mas outros leram como fiel à imagem de franqueza e informalidade que tem sido uma característica da mulher com quem Barack Obama está casado desde 1992 e lhe tem valido a simpatia de grande parte da população americana.

Os últimos números davam a Michelle Obama 63% de popularidade. Já teve mais, mas os dias de graça dos Obama já não são estes. São os de quando a América se dizia preparada para uma renovação. Estava mesmo? Ela veio? O casal Obama soube ou teve capacidade para a pôr em prática? Contabilidade complicada. Vamos pelo lado mais fácil. O que pode Michelle Obama? O número da revista Forbes de Junho de 2013 dizia que ainda pode bastante. Apresentava-a como a 4.ª mulher mais poderosa do mundo, atrás da chanceler alemã Angela Merkel, da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e de Melinda Gates, a norte-americana co-presidente da Fundação Bill e Melinda Gates.

O que vestiu, o que calçou, quem entrou ontem à noite na Casa Branca, o que ouviram esses happy few? Não tarda irá saber-se. O gossip é cada vez mais imediato. Mas os 50 anos de Michelle Obama não são apenas tema de mexerico, apesar de inevitavelmente serem. Já se viu pelas vésperas, com a cobertura da alegada “grosseria” do convite, ou o zunir dos tablóides americanos que falam de uma eventual crise conjugal a marcar a data. O facto é que, sem a pressão de uma nova eleição, Barack e Michelle têm três anos para solidificar a marca Obama na América, com cada um a dar mais visibilidade às características individuais.

Dias antes do aniversário, Michelle dizia que era tempo para respirar melhor, tentando caracterizar a conjuntura em que chegava aos 50 anos. “Estou em grande forma”, e não se referia ao baile. Numa entrevista à revista People, com publicação prevista para o dia do seu aniversário, sublinhava os seus já conhecidos cuidados com a saúde e não punha de parte a ideia de um dia recorrer a uma plástica.

Michelle Obama, sem nunca se expor demasiado, revela-se longe do pedestal. Circularam fotografias suas nas quais aparecia às compras num supermercado de Washington de óculos escuros e chapéu de basebal. Também parece ser comum vê-la a almoçar ou jantar com amigas e é cliente dos restaurantes dos chefes José Andrés (o Jaleo) e de Spike Mendelsohn (o Bearnaise, o Good Stuff Eatery e o We The Pizza). Consegue o que poucos como ela conseguem: que os media não a cerquem quando estão demasiado ocupados com o marido. Ela não lhes faz guerra. Dá entrevistas, aceita convites para reportagens, vai a talk-shows. Usa a imagem e faz passar a mensagem sem escorregar nas palavras. Em Abril foi capa da edição americana da Vogue. Foto com o título Michelle Obama, How the First Lady and the President are Inspiring America (Como a primeira-dama e o Presidente estão a inspirar a América). Arriscado, disseram alguns leitores da revista. Fútil, acusaram rivais políticos do Presidente que aproveitaram para chamar atenção para os gastos da primeira-dama com o guarda-roupa num momento em que se pede austeridade.

Parece, no entanto, que a generalidade da América lhe perdoa esse pecado. Ela veste exclusivos, mas também pronto-a-vestir, acodem os seus defensores, os que vêem com bons olhos a promoção de nomes e marcas americanas nas visitas ou recepções de Estado do casal. Quando lhe pedem um comentário, ela responde na habitual franqueza. Não se sente a trair nenhuma das suas convicções. Gosta de moda e fala tão abertamente disso como do gosto por cinema (foi ela quem apresentou o filme Argo, na noite de Óscares de 2013), por R&B ou de dançar. Veja-se como as televisões passaram e replicaram o momento em que, com o Presidente, abriu o baile na gala do segundo mandato com um vestido de chiffon vermelho assinado pelo costureiro Jason Wu. Está agora na colecção do Museu Smithsonian, algo inédito para um vestido vermelho de uma primeira-dama.

Ela manda

Michelle rules, como se diz em inglês da América, mesmo em tempo de crise política, económica, ambiental, social, e há um capital a tirar dessa capacidade de passar a mensagem. Foi o que pensaram os conselheiros da Casa Branca ao darem o aval para que ela fosse uma porta-voz da política de educação da Administração Obama que, linhas gerais, passa por fazer com que todos os americanos tenham acesso a uma educação de qualidade. Michelle sabe falar a linguagem das pessoas a quem é preciso chegar. Como qualquer primeira-dama, Michelle Obama não tem funções oficiais. Ou seja, não existe na Constituição americana nenhuma designação especial para a mulher (ou marido, mas essa situação nunca foi posta pela História) do Presidente dos Estados Unidos da América. Não consta. Mas na prática existe e tem uma esfera de influência que por várias vezes e com várias protagonistas já provou ser grande.

Tempo de entrar com um perfil em acção. Até chegar a Washington, em Janeiro de 2009, Michelle Obama tinha desafiado um destino modesto, era uma advogada que tinha passado por um grande escritório onde conheceu Barack, a Sidley & Austin; foi responsável por programas de voluntariado e apoio ao ensino no City Hall daquela cidade e uma das responsáveis pelas políticas da University of Chicago Medical Center. Era aí que trabalhava quando decidiu apoiar o marido na candidatura à Casa Branca, e a sua experiência na gestão e planeamento na área da Saúde influenciou a que viria a ser uma das bandeiras da campanha de Obama: a reforma do sistema de saúde americano, agora conhecido como Obamacare.

De modo oficial ou oficioso, Michelle Obama sabe que se espera dela algo mais do que um papel de sombra. Sabe que sempre que o Presidente estiver a viver um mau momento tem uma função determinante na gestão da popularidade presidencial. Sabe ainda da exposição e da importância na diplomacia. Almoços, jantares, viagens de Estado são momentos de conquistar aliados. Na pré-campanha e na campanha, andou ao lado de Barack Obama, entrou em muitas casas, falou com muita gente e nunca manifestou qualquer incómodo. Pelo contrário. O tom informal valeu votos. Ela brincou com isso. Questionada por jornalistas sobre o que aprendeu com as visitas a tantas casas, respondeu que lhe deu muitas ideias de decoração. O tom da resposta posicionou-a. Ela sabia usar as palavras e capitalizar simpatia e admiração além de ter uma imagem a reflectir solidez.

Muitos se perguntavam acerca do papel que poderia desempenhar a mulher do 44.º Presidente dos Estados Unidos, democrata, o primeiro afro-americano a chegar ao primeiro lugar do poder da nação, também ela afro-americana, uma cristã protestante que preferia não ter um marido Presidente, mas não lhe recusou apoio.

Era uma pergunta em surdina. Os democratas tinham ainda bem viva a imagem aguerrida com que Hillary Clinton se quis projectar enquanto primeira-dama logo no início do mandato de Bill Clinton, em 1993. Hillary tinha 44 anos, praticamente a mesma idade com que Michelle chegou a Washington, mas uma ambição diferente que a faria chegar a secretária de Estado de Obama depois de ter perdido para ele a eleição nas primárias de 2008. Em 1993, Hillary recuou no ímpeto. Em 2009, Michelle preferiu conhecer melhor o chão que pisava. No seu caso, como no do marido, quase tudo era inaugural, eles eram um casal inédito nas funções que assumiam. Ela não arriscou. “É uma planificadora”, estão sempre a lembrar os amigos e aqueles que trabalharam de perto com ela para dizer que não é de ímpetos, mas de estratégia. Alguém que gosta de planear a seis meses ou um ano, traçando uma estratégia à qual se mantém fiel.

O exemplo

E é aqui que a mudança se encaixa. Cinco anos depois, Michelle conquistou a confiança que o seu perfil lhe conferiu. Os mais atentos, os que lêem a frase de alerta no tal comboio que ao atravessar o Hudson une dois estados, vêem naquelas palavras um eco de uma outra frase que andou pelos jornais e televisões, uma frase proferida por ela em Novembro passado, no liceu Bell, uma escola multicultural em Washington: “Estou aqui hoje porque quero que saibam que a minha história pode ser a vossa história.” No fim de 2013, Michelle Obama apresentava-se como exemplo de uma campanha onde assumia um papel de protagonista. Ela, num palco, a falar a uma audiência muito nova numa linguagem desempoeirada, a tentar motivar o desejo da escolaridade superior a quem foi desaprendendo ambições. Seria a primeira paragem de um roteiro que vai percorrer muitas escolas de todos os estados. “Eu fui igual a vós”, disse aos mais desfavorecidos.

Há nisto um sentido de oportunidade. Ou muitos. Em 2013, ainda a propósito de Luther King, os discursos oficiais recuperavam uma palavra que durante anos esteve quase ausente: “integração”. O que fazer com ela quando há um Presidente que está sempre a lembrá-la mesmo quando não a pronuncia? Basta estar lá. “O primeiro Presidente negro não está interessado em nenhuma auto-análise sobre o que é ser o primeiro Presidente negro”, refere um amigo de Obama no livro de Jodi Kantor The Obamas, onde a jornalista do New York Times escreve sobre a relação entre Barack e Michelle, que acompanhou desde 2007, o ano em que foi anunciada a candidatura do então senador do Illinois à presidência dos Estados Unidos. Michelle estava lá e continua lá, a impor um sentido de compromisso, como lembram os biógrafos, como escrevem os jornalistas.

Nesse livro, está sublinhado o papel decisivo de Michelle, não só na definição de políticas, mas no modo como nela se podem reflectir os valores apregoados ao longo da campanha que o levou à vitória nas eleições de 2008 e de que faz parte a “inclusão”. A propósito, Kantor cita Obama quando ele afirma que, ao fim de cada dia, depois dos muitos conselhos de muita gente, é Michelle com a sua voz moral quem perpassa todo o ruído de Washington e o lembra das razões que o levaram a estar no primeiro lugar na gestão do país. Isso não mudou em cinco anos de Casa Branca.

Parece claro que as ambições de Michelle Obama continuam a não ser políticas, apesar de estar, aos 50 anos, a viver o seu desígnio mais político desde que chegou a Washington. “Não importa o caminho que escolherem, não importa que sonhos possam ter, têm de fazer o que for preciso para continuarem a estudar depois de terminarem o liceu”, disse nesse discurso aos estudantes, onde manteve o à-vontade que não surpreende quem a segue. O objectivo é chegar à meta traçada por Barack Obama, a de que os EUA em 2020, ano em que prevê que cerca de dois terços dos empregos venham a exigir formação superior, tenham a maior taxa de licenciados do mundo.

Neste momento, o país ocupa o 12.º lugar do ranking, depois de ter estado em primeiro há pouco mais de uma geração. A recuperação é ambiciosa. Foram traçados planos para subsidiar o acesso dos mais desfavorecidos à universidade e está em curso uma política de sensibilização que passa pela recuperação de uma ideia que a crise veio questionar: a de que uma educação mais elevada leva a um nível de vida mais satisfatório.

Já este ano, Barack Obama veio chamar a atenção do Congresso acerca da necessidade de aprovar mais dinheiro para a educação. Falou em coragem política para libertar o dinheiro necessário à adaptação da educação aos novos tempos. Ou isso, disse, ou fica comprometida a capacidade de pessoas com o seu passado ou o de Michelle Obama terem acesso às melhores universidades e de o país se desenvolver economicamente, acompanhando as exigências de um mercado que não permite deslizes num campo como a educação. É crucial, vai dizendo Obama, que a educação seja prioritária para um país que quer continuar a ditar as regras do desenvolvimento mundial. A competência começa na escola, continua a sublinhar, sabendo que esse argumento tem de ser capaz de convencer uma nação. Não pode ser apenas retórica política, como lhe apontam os seus opositores.

Michelle Obama coloca-se, desta forma, como braço-direito não oficial de Ann Duncan, a secretária para a Educação que conta com a biografia da primeira-dama como um forte aliado político. Filha de um funcionário de uma empresa de distribuição de águas, Michelle e o irmão, Craig, dois anos mais velho, contrariaram então o que se esperava de quem nascia e crescia na parte sul, a zona mais modesta de Chicago. Os dois conseguiram entrar na prestigiada Princeton e ambos terminaram a faculdade. Craig integra agora o departamento de basquetebol da Universidade de Oregon e Michelle formou-se em Sociologia e Estudos Afro-americanos. Foi depois para Harvard, onde estudou Direito, e daí para o mercado de trabalho onde conquistou um lugar de destaque na cidade onde nasceu.

É argumento de sobra numa altura em que se calcula que cerca de 52% dos jovens das classes menos desfavorecidas deixam a escola no fim do liceu. Nas classes mais elevadas, esse abandono escolar não ultrapassa os 30%. “Penso que esta campanha vai ter enormes resultados em todo o país”, previu Ann Duncan, depois de ouvir a primeira intervenção de Michelle Obama. E acrescentou: “Ela tem uma paixão pessoal e autoridade no tema por causa da sua própria história. Isto é a sua vida. Isto é o que ela é.” O resultado de uma conquista pessoal e de um trabalho de incentivo ao voluntariado junto de famílias de militares ou na de promoção de políticas de saúde. Não foi à toa que, na altura de escolher o curso, com a idade dos alunos com quem vai continuar a falar, optou pela Sociologia, escolhendo a tradição francesa que privilegiava a vertente conversacional. Michelle via-se como uma comunicadora e, por várias vezes, protestou, enquanto aluna, junto da universidade, por considerar que havia muito que fazer ainda nessa área. Ela não estava satisfeita e fazia-se ouvir.

Porquê agora?

Porque é que só agora a Administração Obama está a utilizar este trunfo? Catherine Allgor, professora de História na Universidade da Califórnia, Riverside, arrisca uma resposta, dizendo que não poderia ter sido antes. “Ela simplesmente não poderia ter feito isto há quatro anos”, declarou ao New York Times depois da primeira aparição de Michelle Obama como porta-voz de um programa ambicioso: o de que a universidade é para levar até ao fim, custe o que custar. “Se ela tivesse aparecido com algo mais ligado à política, seria silenciada. Veja-se a reacção aos seus conselhos para que as pessoas comessem salada.”

Allgor vai à caricatura para trazer à memória a crítica, sobretudo por parte dos republicanos, que acusaram Michelle Obama de se portar como a “mamã” dos americanos quando encetou uma campanha de educação alimentar e incentivo ao exercício físico como forma de combater o que é considerado um dos males da civilização americana: a obesidade. Deu palestras por toda a América, filmou vídeos, incentivou à plantação de hortas biológicas e cultivou uma na Casa Branca que se mantém activa; apareceu no Ellen DeGeneers Show, na NBC, a competir com a actriz e apresentadora quanto ao número de flexões que cada uma era capaz de fazer, e dançou rap com Jamie Fallon no Late Night, também na NBC.

Michelle physicall não ia apenas bem com a imagem do Presidente a fazer jogging ou a jogar basquete em momentos de stress. Havia um sentido maior. O livro American Grown: The Story of White House Kitchen and Gardens Across America, publicado em 2012, conta toda essa experiência integrada numa campanha que ficou conhecida por Let’s Move. Foram quatro anos em que a primeira-dama revelou os seus dotes atléticos, num papel que nunca molestou o desempenhado pelo marido, tendo mesmo, para os tais que esperavam dela algo mais activo, ficado um pouco aquém. Num artigo publicado em Janeiro de 2012, na revista New Yorker a propósito, mais uma vez, do livro The Obamas, o editor David Remnick escreve: “Michele Obama reconciliou-se claramente com o seu papel. Enquanto primeira-dama, tem a sua campanha contra a obesidade infantil e parece desempenhar um papel agradavelmente repreendedor num casamento sólido. Como Abigail Adams [mulher de John Adams, o segundo Presidente dos EUA], uma protofeminista, que pediu ao marido para ‘não esquecer as senhoras’, ela tem os seus princípios e rapidamente os lembra ao marido.”

Este papel de uma espécie de guardiã da boa consciência de Barack Obama é muito sublinhado por todos que acompanham de perto a vida do casal e muitas vezes o próprio Obama veio dizer que Michelle é a sua rocha. Frontal, decidida, inteligente, é ela quem dita as regras na vida dos Obama e desde que se mudou para Washington tratou de não se confundir com nenhuma das suas antecessoras, apesar de lhe apontarem aspectos em comum com Jacqueline Kennedy, por exemplo. Sobretudo na idade, no modo de gerir a imagem, no facto de uma e outra terem chegado à Casa Branca com filhos pequenos. Na sua página oficial, Michelle Obama apresenta-se antes de mais como mãe de Malia Ann e Natasha (Sasha), agora com 15 e 13 anos. Ela é o centro de um equilíbrio familiar que está apostada em manter a todo o custo, pedindo, sempre que possível, a presença de Barack Obama cinco vezes por semana, ao jantar, servido pontualmente às seis e meia. Tanto quanto possível também, ela estende uma cortina à volta desse núcleo que ela sabe ser o mais exposto de sempre na história da democracia americana. O virtual e o real nunca estiveram tão próximos.

É neste contraditório, entre o informal e a fidelidade às regras, que se define uma mulher que nasceu e vive nas oportunidades da vida actual, mas que não abdica de valores tradicionais, como os da família. Continuam a procurar-se pontos de contacto com as antecessoras. Como Hillary Clinton e Laura Bush, é uma mulher independente, saída da universidade para o mercado de trabalho. Ao contrário de Hillary, não ambiciona fazer carreira na política; ao contrário de Laura, não se contenta com o papel de administradora da caridade da Casa Branca.

Em Janeiro de 2013, data da tomada de posse do segundo mandato, a New Yorker escrevia que Michelle tinha mudado mais nos quatro anos de vida em Washington do que o marido. Foi ela quem teve de abdicar de um trabalho no qual tinha feito uma carreira respeitável, deixando as rotinas de uma vida familiar que prezava, a cidade onde sempre viveu por uma casa completamente nova para ela, com hábitos marcados por anos de história. No livro The Obamas, conta-se mesmo um episódio onde terá confessado à ex-primeira-dama francesa, Carla Bruni-Sarkozy, que detestava a Casa Branca. Foi à chegada. Verdade ou especulação, Michelle tratou de transformar a residência oficial num lugar mais próximo do que lhe é pessoal. É ali que educa as suas filhas. E o desconforto do início deu lugar à adaptação necessária ao que entende como o cumprir de uma missão. Apesar de tudo, continua a encarar o lugar de primeira-dama como um “território” difícil de atravessar, mas do qual quer sair a salvo em 2016. “A mulher que nunca quis viver numa cápsula agora usa-a para se proteger”, dizem os amigos. Os ex-assessores falam dela como alguém que gosta de planear a seis meses ou um ano, traçando uma estratégia à qual se mantém fiel.

O que fez pela educação alimentar das crianças americanas está por quantificar. Mede-se a médio e longo prazo. Os últimos dados revelam uma descida dos casos de obesidade. Há um ano, o New York Times falava de uma descida de 13,3% entre as crianças do ensino básico, entre 2005 e 2011. Nem tudo se deve a Michelle, mas ela recusa a crítica republicana. Nem mom nem frívola, mas, se tiver de ser uma delas, que seja então a primeira.


 

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