Líder da oposição turca inicia marcha de 450 km pela justiça, contra Erdogan

Deputado do partido fundado por Ataturk condenado a 25 anos de prisão por revelar "segredos de Estado" ao jornal Cumhuriyet e juiz de tribunal da ONU a sete anos de cadeia.

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Kemal Kiliçdaroglu, o líder do CHP, com o cartaz a dizer "justiça" Murad Sezer/REUTERS

É um novo nível, mais elevado, na escalada da repressão lançada pelo Governo turco após o golpe de Estado falhado de há um ano: o deputado Enis Berberoglu foi condenado a 25 anos por “divulgar segredos de Estado”. É a primeira vez que um político da maior força da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP), é tratado desta maneira – este desrespeito pela imunidade parlamentar tem estado reservada para os curdos.

Em resposta a esta sentença, o CHP lançou nesta quinta-feira uma marcha pela justiça, de 450 km, entre Ancara e Istambul, que deve levar 24 dias a completar. Com um cartaz com única a palavra, adalet (justiça) escrita a vermelho, o líder do partido, Kemal Kiliçdaroglu, de 68 anos, iniciou o caminho, dizendo “já chega”. “Estamos a viver num regime ditatorial. Não queremos viver num país onde não há justiça”.

Berberoglu foi considerado a fonte do diário de referência Cumhuriyet quando este revelou um vídeo em que se viam camiões dos serviços secretos turcos a levar armas para a Síria. Nessa altura, o director do jornal era Can Dundar, já condenado a cinco anos de prisão por um outro caso de revelação de segredos de Estado. Fugiu entretanto, e está a ser julgado à revelia, com a acusação a pedir uma nova pena de dez anos de prisão para o ex-responsável editorial pelo jornal fundado em 1924 por um jornalista próximo do fundador da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturk.

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O deputado Enis Berberoglu foi condenado a 25 anos por “divulgar segredos de Estado Murad Sezer/REUTERS

O Cumhuriyet continua a ter um posicionamento próximo do CHP, hoje uma formação social-democrata, e vários dos seus jornalistas e até administradores estão presos, sob acusações como “pertença a organização terrorista armada” ou “ajuda a organização terrorista armada embora sem ser membro dela”, explica a edição em inglês de outro jornal turco, Hürriyet Daily News. Há 160 jornalistas presos, e cerca de 130 empresas de media foram encerradas no último ano, segundo números do sindicato citados pelo Hürriyet.

Para o Estado turco, os terroristas podem ser do PKK, o ilegalizado Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou o movimento do imã Fethullah Gülen, acusado de estar por trás do golpe de Estado de 15 de Julho de 2016 contra o Presidente Recep Erdogan.

Uma forma fácil de construir uma lista de inimigos é acusar todos que têm nos seus telemóveis a aplicação de troca de mensagens encriptadas Bylock. Todos os que a têm são considerados membros da organização de Gülen. Essa é a base da condenação a sete anos e meio de prisão do ex-diplomata e juiz Aydin Sefa Akay, membro do Mecanismo dos Tribunais Penais Internacionais – o que viola a imunidade de que beneficia, ao trabalhar para as Nações Unidas. Foi também o argumento para prender o secretário da secção da Amnistia Internacional na Turquia, Taner Kiliç, na semana passada, além do facto de ter estudado em escolas ligadas ao movimento gulenista.

Estas condenações, e a resposta do CHP – cuja votação tem estagnado à volta dos 25% – podem representar algo de novo. “É um ponto de viragem”, afirmou ao New York Times Aykan Erdemir, ex-deputado deste partido e que agora trabalha na Fundação para a Defesa das Democracias, com sede em Washington. “Tem havido muitos apelos, de diferentes sectores da oposição turca, para que o CHP leve o trabalho de oposição para as ruas – penso que esta marcha é uma resposta positiva a estes apelos”, afirmou. 

 

 

 

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