Hugo Chávez transferido para base naval a cem quilómetros da capital

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O autoproclamado Presidente, Pedro Carmona, é uma figura da direita conservadora e tradicionalista Fernando Llano/AP

O Presidente venezuelano deposto ontem foi transferido de Fort Tiuna, principal base militar de Caracas, para a base naval de Turiamo, localizada a cem quilómetros da capital, informou um colaborador próximo do ex-chefe de Estado.

"Estão em vias de o transportar para Turiamo", na costa caribenha, precisou o membro do serviço de imprensa de Hugo Chávez, que pediu o anonimato. A fonte adiantou que se baseia em informações de militares apoiantes de Chávez, presentes em Fort Tiuna. "Penso que ele receia que o matem", acrescentou.

A base naval de Turiamo, a norte do Parque Nacional Henry Pittier, no estado de Aragua, é apenas acessível por uma estreita estrada de montanha.

Interrogada pela televisão cubana, a filha do ex-Presidente, Maria Gabriela, indicou esta manhã que militares partidários de Chávez lhe disseram que o pai foi "levado de helicóptero" para local desconhecido.

O Presidente reeleito em 2000 para um mandato de seis anos foi forçado a demitir-se do cargo pelos militares, na sequência da repressão policial das manifestações populares contra a política de Chávez, que causou a morte a 15 pessoas e feriu centenas.

Pedro Carmona, um dos principais promotores da greve geral na origem da queda do ex-chefe de Estado, foi empossado ontem como Presidente da República da Venezuela, à cabeça de "um Governo de transição democrática e de união nacional".

Duas centenas de apoiantes de Chávez manifestam-se contra derrube do Presidente

O anúncio da transferência de Chávez para a base naval surgiu poucas horas depois de duas centenas de pessoas se terem manifestado contra o derrube do Presidente em frente à base militar de Fort Tiuna. Helicópteros sobrevoaram a manifestação e, segundo testemunhas, ouviram-se trocas de tiros nos bairros de El Valle e Coche, em Caracas. No bairro de Nueva Tacagua, a polícia chegou mesmo a atirar contra os manifestantes.

"Queremos um referendo", pediam os apoiantes de Chávez, prometendo que "os pobres não deixarão cair" o Presidente eleito.

O ex-ministro da Defesa venezuelano José Vincente Rangel considerou ter havido uma "clara rebelião dos militares", que originou o afastamento de Chávez, e uma ruptura "evidente" da ordem constitucional.

Em declarações ao jornal "El Nacional", Rangel voltou a sublinhar que Hugo Chávez "não se demitiu".

Governo provisório é uma clara viragem à direita

Não foi só Chávez que caiu ontem, com ele caiu também a esquerda populista venezuelana. O chefe do Governo provisório, Pedro Carmona, é uma figura da direita conservadora e tradicionalista.

O novo ministro das Relações Externas, José Rodríguez Iturbe, é membro da Opus Dei e presidiu a comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional durante a Presidência do democrata-cristão Luis Herrera Campins (1979-84). O ministério por ele liderado deverá, segundos os especialistas, pautar-se por uma aproximação aos EUA.

As Finanças ficarão sob a alçada de um ministro da direita Leopoldo Martinez, que vai tentar dar novas garantias e seguranças aos investidores, depois dos receios inspirados pelo regime de Chávez, nomeadamente com o pacote de 49 decretos-lei — incluindo uma reforma agrária e uma restruturação do sector petrolífero. Este pacote foi já anulado por Pedro Carmona.

"Está suspensa a aplicação dos 49 decretos-lei, com força de lei. O Presidente criará uma comissão de revisão desses decretos, formada por diversos sectores da sociedade", informou o porta-voz do novo Governo, Daniel Romero.

O novo ministro do Interior é o general da Guarda Nacional Rafael Damiani, que se rebelou contra Chávez na véspera do golpe militar.

Pedro Carmona também já dissolveu a Assembleia Nacional, com base no artigo 3º do acto constitutivo oficial, sobre a criação de "um Governo de transição democrática e de união nacional". O acto constitutivo oficial — na origem do novo Executivo — foi assinado por oito personalidades em representação da sociedade civil: o arcebispo de Caracas, Ignacio Cardenal (em representação das igrejas), Luis Enrique Ball (empresas), José Curiel (partidos políticos), Rocio Jigarro (ONG's), Miguel Angel Martinez ("media"), o governador do estado de Zulia, Manuel Rosales (governos regionais), Alfredo Ramos (sindicatos) e Carlos Fernandez (patronato).

Críticas externas ao derrube de Chávez

O Irão defende que os EUA estão por trás do derrube do Presidente Chávez. "A política externa do Governo de Chávez era contrária à estratégia dos Estados Unidos para a América Latina", justificou a televisão estatal iraniana num boletim informativo, adiantando que o golpe militar venezuelano faz lembrar "quando em 1973 a Administração norte-americana apoiou o golpe de Estado do general Augusto Pinochet no Chile".

"A razão mais importante para a preocupação norte-americana é o negócio do petróleo. Havia cada vez mais possibilidades de a Venezuela se juntar ao embargo petrolífero" aos EUA, acrescentou a televisão iraniana.

Também o Presidente argentino considerou que o novo Governo venezuelano teve uma atitude "típica de uma ditadura". Para Eduardo Duhalde, a Organização dos Estados Americanos deve aplicar sanções ao novo Executivo.

Admitindo que o golpe militar resultou da "pouca habilidade do Presidente Chávez", nomeadamente em "dar-se bem com os seus vizinhos", Duhalde realçou que se quebrou "a ordem constitucional".

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