Gulbenkian premeia defensoras de refugiados na Hungria e Austrália

Hungarian Helsinki Comittee e a advogada australiana Jane McAdam venceram o Prémio Calouste Gulbenkian - Direitos Humanos 2017.

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Márta Pardavi, do Hungarian Helsinki Comittee DR
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A advogada australiana Jane McAdam DR

A organização húngara Helsinki Comittee e a advogada australiana Jane McAdam foram distinguidas com o Prémio Calouste Gulbenkian para os Direitos Humanos 2017, este ano dedicado à defesa dos refugiados. Em comum, as premiadas têm o trabalho em países que, apesar de receberem poucos refugiados, têm dos debates públicos mais agressivos e das políticas mais duras contra a entrada de pessoas, a Hungria e a Austrália.

“Podíamos ser eu ou tu”. É assim que a advogada de Direitos Humanos Jane McAdam termina uma entrevista por email, referindo-se ao aspecto menos considerado no debate público sobre os refugiados. “Noutras circunstâncias, podíamos ser tu ou eu a fazer uma viagem perigosa por barco ou terra, arriscando tudo o que temos para encontrarmos segurança, para nós ou as nossas famílias”, diz, sublinhando que no debate político "se esquece demasiadas vezes o que está em causa”.

O Hungarian Helsinki Comittee foca-se na defesa individual de direitos de refugiados e também na pressão sobre o Governo húngaro em instituições europeias. O país já recebeu um primeiro parecer do Tribunal Europeu de Direitos Humanos que declarou o sistema de detenção como ilegal, e está a ser investigado pelo Parlamento Europeu, num processo que poderá levar a um pedido de sanções.

Para a responsável Márta Pardavi é altura de ir mais longe. “Penso que a Comissão Europeia deveria abrir um processo alargado a Budapeste sobre o respeito do Estado de Direito, para além dos processos individuais – só assim é possível ter uma discussão alargada sobre os refugiados mas também sobre outras questões como a justiça, etc.”, diz por telefone ao PÚBLICO.

Na discussão sobre o que devem fazer as autoridades europeias contra a Hungria, em que qualquer acção de Bruxelas pode servir de arma de arremesso para o Governo de Viktor Orbán, Pardavi reconhece “o dilema”, mas defende que "o que está a ser posto em causa é o Governo húngaro, e não a sociedade”.

Quando confrontados pela primeira vez com a chegada de refugiados em trânsito no Verão de 2015, os húngaros, "mesmo pessoas que nunca tinham tido qualquer contacto com um refugiado, foram ajudar como puderam, de um modo comovente, apesar da violenta campanha do Governo”.

Influência negativa

Para esta responsável, a atitude da Hungria influencia o debate europeu e leva a "soluções de denominador comum”, critica. “Acaba-se a possibilidade de trabalhar em conjunto, porque há uma divisão entre os países que querem fazer alguma coisa e os que não querem”.

Nos últimos anos, a campanha do Governo contra os refugiados mudou completamente o trabalho da sua organização, que existe há mais de 20 anos. “Nunca tivemos grandes reacções ao nosso trabalho, porque esta não era uma questão política”. A realidade mudou e agora “tudo o que fazemos tornou-se político", na Hungria e na Europa. “[O Governo] fala de nós como se estivéssemos a trabalhar contra os húngaros, quando de facto estamos a defender direitos humanos para todos”, lamenta.

O prémio que vai receber esta quinta-feira em Lisboa é assim uma arma para si. “Há muito poucos actores a lembrar ao Governo húngaro do seu papel na protecção dos refugiados”, diz. “O reconhecimento que recebemos é importante, é um sinal para o Governo que nem todos os países apoiam a sua abordagem e que o trabalho de organizações da sociedade civil pode ser valorizado.”

A politização do debate e a necessidade de mais cooperação internacional são dois pontos também sublinhados por Jane McAdams. Na Austrália, como na Hungria, o número de refugiados é desproporcional à importância política da questão: “A Austrália recebe um pequeníssimo número de pessoas a pedir asilo por ano em termos globais, no entanto a política de refugiados é dos assuntos mais debatidos na política e nos media”.

Para a jurista, que dirige um centro de lei internacional de refugiados na Universidade de New South Wales, a lei internacional já dá um quadro “de princípios que é previsível e orientado para soluções”. "O problema não é a ausência de lei, mas de vontade política para a implementar”, sublinha.

“A deslocação não pode ser resolvida por políticas unilaterais focadas no controlo de fronteiras e dissuasão”, diz, e “lamentavelmente esta é a abordagem que muitos governos estão a tomar”. Mas esta “está condenada ao falhanço – para encontrar soluções é precisa mais cooperação internacionais, não menos”, garante.

“Há agora mais de 65 milhões de pessoas em todo o mundo deslocadas das suas casas em resultado de perseguição, conflito e abusos de direitos humanos – o maior número desde a II Guerra Mundial”, nota McAdams. “Além disso, há mais 25 milhões de deslocados pelos efeitos adversos dos desastres naturais e alterações climáticas a cada ano”.

As pessoas que deixam de ter condições de viver nas suas cidades ou países por causa das alterações climáticas ainda não têm garantido o direito ao reconhecimento como refugiados. McAdams trabalhou de perto com o ACNUR para a estratégia sobre alterações climáticas e desalojados devido a catástrofes.

Para a jurista australiana, é preciso sair do actual debate demasiado focado nas fronteiras e pensar de modo “rigoroso” e “inovador” para chegar a soluções “positivas e duradouras”.  

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