Governo birmanês enfrenta pela primeira vez monges budistas radicais

Mandados de captura contra dirigentes de grupo extremista após confrontos com muçulmanos em Rangum. Executivo teme novo surto de violência religiosa no país.

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Líderes de um grupo budista radical foram detidos em Rangun LUSA/NYEIN CHAN NAING

As autoridades birmanesas emitiram mandados de captura contra sete nacionalistas, dois dos quais líderes de um grupo budista radical, acusados de incitação à violência após confrontos com residentes muçulmanos de Rangum, que suspeitavam ser rohingya, minoria étnica a quem não é reconhecida sequer o direito à nacionalidade. Uma iniciativa inédita que mostra o receio do Governo de um novo surto de violência religiosa no país.

“Detivemos duas pessoas e estamos à procura das restantes”, anunciou, citado pela Reuters, o major Khin Maung Oo, comandante da esquadra de Mingalar Taung Nyunt, o bairro da capital que na madrugada de terça para quarta-feira foi invadido por um grupo de 50 pessoas, entre eles vários monges, que diziam procurar “ilegais” – os rohingya estão na sua maioria confinados ao estado de Rakhine (Noroeste) e só podem viajar mediante autorização. Vieram acompanhados por agentes da polícia e dos serviços de imigração, mas depois de nenhum indocumentado ter sido encontrado começaram a gritar slogans contra os habitantes muçulmanos – uma pessoa ficou ferida nas escaramuças, que só terminaram depois de a polícia ter disparado para o ar.

Foi o segundo incidente na capital em menos de duas semanas provocado pelos nacionalistas: a 28 de Abril, dezenas de pessoas entraram noutro bairro e forçaram o fecho de quatro escolas muçulmanas que diziam estar a ser usadas como mesquitas. Em comum, escreve o jornal online Frontier Myanmar, os dois episódios têm o facto de ter ocorrido logo depois de dirigentes da União dos Monges Patrióticos (PMU) terem comparecido em tribunal acusados de disseminar “rumores destinados a provocar alarme”.

A tensão entre budistas, dominantes no país, e a minoria muçulmana, aumentou desde 2012, quando cerca de 200 pessoas morreram em confrontos entre as duas comunidades. A hostilidade da maioria aumentou em Outubro, quando um grupo armado rohingya atacou postos militares em Rakhine, desencadeando uma violenta contra-ofensiva militar – mais de 74 mil pessoas fugiram da região e, em Março, a ONU acusou o Exército de crimes contra a humanidade

Aung San Suu Kyi, líder de facto do Governo birmanês, nega que tenham sido cometidas atrocidades, reforçando as críticas dos que acusam a Nobel da Paz de fechar os olhos ao sofrimento desta minoria. Contudo, a influência crescente dos monges radicais e as detenções agora anunciadas são vistas como um sinal de que o executivo teme que a violência religiosa chegue a Rangum, onde há uma significativa comunidade muçulmana, desestabilizando a transição democrática e minando o investimento estrangeiro que está a ser canalizado para o país.

O comandante da polícia de Rangum revelou que as forças de segurança foram colocadas em alerta máximo e a segurança foi reforçada nas áreas muçulmanas. A Reuters lembra também que dentro de duas semanas a capital recebe o congresso do Ma Ba Tha, organização extremista anti-muçulmana liderada pelo polémico monge Wirathu

Pouco antes de serem conhecidos os mandados de captura, os líderes do PMU, entre eles os dois monges visados, deram uma conferência de imprensa em que disseram estar a agir para “proteger a raça e a religião” dos birmaneses perante a “relutância das autoridades” em aplicar a lei e combater o que dizem ser a ameaça islâmica.  

Com estas detenções “o Governo birmanês mostra pela primeira vez vontade em fazer frente aos monges nacionalistas”, escreveu o correspondente da BBC em Rangum, Jonah Fisher, contando como recebeu ameaças e pressões depois de uma troca de palavras mais acesas com um dos monges agora procurados durante uma entrevista em Fevereiro.

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