Defesa num mundo mais perigoso

A necessidade de defesa não decorre de abstracções paranóicas de uns quantos militaristas e belicistas. É uma imposição de realismo e de sensata responsabilidade.

A recente proposta de extinção do Regimento de Comandos revela um perigoso desconhecimento sobre as necessidades da defesa nacional. Foi invocado um período de razoável tranquilidade na segurança internacional. Essa ingenuidade desculpa-se pela incompreensão das realidades. De facto, o número de mortes causadas por conflitos diminuiu gradualmente desde a Guerra Fria, mas desde o início desta década esse número disparou dramaticamente. É perigoso supor que a defesa nacional é crescentemente redundante. A 2.ª Guerra Mundial era algo insuspeitável uma década antes de se materializar. A maioria das guerras era imprevisível poucos anos antes de eclodir. As próximas décadas poderão ser as mais perigosas de sempre. Temos que estar prontos e defendidos, sempre. Se um dia necessitarmos de proteger as nossas crianças não podemos ir a correr ao supermercado comprar umas forças armadas treinadas. E com milhões de portugueses espalhados no mundo ignoramos se um dia teremos que enviar uma unidade de forças especiais como os comandos para libertar e resgatar um grupo de portugueses sequestrados algures.

Outro erro consiste em imaginar que os conflitos ocorrem apenas longe da Europa. Os europeus fingem esquecer que foi no seio da “civilizada” e “segura” Europa que se verificaram genocídios e horrores indescritíveis na Bósnia ou na Croácia, sem que os europeus tivessem a humanidade e a coragem de intervir para parar esse horror, que durou 3 anos e meio até que os norte-americanos atravessaram o Atlântico e vieram ao seio da Europa pará-lo. Para a Europa das grandiosas declarações este drama ficará para sempre na História como uma vergonha colectiva.

Alguns imaginam que as nossas forças armadas têm uma mera utilidade marginal na elegância das operações de “manutenção de paz” depois de outros terem “feito a paz” combatendo. Mas, desejando que tal nunca seja necessário, elas poderão revelar-se vitais para a sobrevivência de portugueses, um dia, quase de um momento para o outro. Riscos longínquos podem lançar ondas de convulsão que aqui chegarão. Outros riscos estão perto. Após Madrid as capitais mais próximas de Portugal são de países árabes do Norte de África, onde a estabilidade é menor do que se imagina. Marrocos é um país onde 83% da população muçulmana entendem que o sistema legal deve ser substituído pela Sharia islâmica. No passado, o moderno Irão era um dos regimes mais firmemente aliados do Ocidente mas, num ápice, uma convulsão interna transformou-o num foco de ameaças ao mundo. Realidades aparentemente estáveis podem mudar repentinamente. O mesmo pode suceder próximo de nós.

Num instante o mundo pode, incrédulo, ser informado de que um ataque nuclear acaba de incinerar milhões de civis em Seul, ou que um conflito nuclear eclodiu entre a Índia e o Paquistão tomado por extremistas, causando milhões de mortos civis só nas primeiras horas. O mundo teria mudado. A Indonésia muçulmana, com uma grave radicalização e onde o governador cristão de Jakarta se encontra sob ameaça de morte, tem uma população próxima da da Zona Euro e “controla” os estreitos de Malaca, Sunda e Lombok, por onde passa mais de metade do tráfego marítimo mundial. O terrorismo islâmico global ramifica-se, inclusive na Europa.

Só recentemente os serviços de informações e segurança começaram a compreender a verdadeira dimensão arrepiante do embrião de terrorismo que a massiva vaga descontrolada de refugiados e migrantes ilegais muçulmanos introduziu já, irreversivelmente, na Europa. Como noutros artigos desta coluna comentei o terrorismo, os refugiados e a “primavera árabe” dispenso-me de aqui me alongar nesses âmbitos. Devemos ser sensíveis, humanos e generosos, mas não irresponsáveis. Terão os europeus a informação do impacto de insegurança que já nem a Alemanha sabe como controlar? Terá sido explicado aos europeus como os bombistas de Bruxelas andavam a filmar um técnico nuclear e a sua família, ao serviço do ISIS que, em derrota militar, acelera as suas tentativas de obter materiais nucleares para tentar acções de terrorismo nuclear?

Não é verdade que as guerras predominantemente decorram da miséria. A 2.ª Guerra Mundial não nasceu num país atrasado e ignorante. Surgiu numa nação que era um berço de cultura, de ciência, de conhecimento e de pensadores. As tensões ideológicas e civilizacionais são crescentemente numerosas e conflituosas. E haverá a percepção das tensões perigosas que os intolerantes fanatismos europeístas estão a semear na sociedade europeia?

A proliferação de armas de destruição maciça ultrapassou o universo dos Estados, passando a estar em mãos de grupos terroristas, exércitos ilegais e grupos criminosos.

A necessidade de defesa não decorre de abstracções paranóicas de uns quantos militaristas e belicistas. É uma imposição de realismo e de sensata responsabilidade para com populações nacionais, homens, mulheres e crianças, tão reais como aquelas que na europeia Bósnia sofreram horrores, durante anos, sem que alguém as defendesse. Mas a impreparação política na Europa é pavorosa.

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