Cinco reflexões sobre terrorismo e a Bélgica

Esta é mais uma machadada no Estado de Direito, em particular no princípio da presunção de inocência e na privacidade de cada um.

1. No passado dia 20 aconteceu, em Bruxelas, aquilo que se chama de "ataque putativo", ou seja, um ataque que, afinal, não o era. Agora é fácil condenar a polícia por todo o aparato, mas se a ameaça tivesse sido real, a polícia seria levada em ombros. Dificilmente teriam outra solução face ao estado actual das coisas.

2. No entanto, não deixa de ser notória a "paranoia colectiva" em torno do problema: a sociedade está em alerta permanente com receio de que a catástrofe um dia bata à porta. Sucede, porém, que o alegado terrorista deu nas vistas por usar roupa de inverno em pleno Verão e tinha fios na roupa. Provavelmente, quem o denunciou acredita que os agentes secretos usam gabardina e chapéu e falam ao telefone através de um sapato e se calhar já passaram vários terroristas pelo mesmo denunciante e este não se apercebeu... porque não existe um código de vestuário ou de aparência para identificar terroristas.

3. Parece-me infeliz o comentário de quem sugere que o jovem suspeito de querer realizar um ataque devia ter pedido autorização para conduzir a sua experiência de modo a não ser confundido com um terrorista. Mais um contributo para a “histeria colectiva” que acaba por condicionar o nosso modo habitual de vida. A meu ver, não tinha, nem tem, de o fazer sob pena de abrirmos uma caixa de pandora cuja imaginação e paranóia poderão não conhecer limites.

4. O Ministro do Interior belga, Zaken Jan Jambon anunciou à Radio 1 do seu país a adopção de medidas de tal forma significativas que merecem atenção e reflexão por parte de todos nós: a partir do final do ano, a polícia belga vai começar a filmar secretamente os suspeitos de terrorismo, mesmo que não exista qualquer processo judicial em curso contra os visados. Tudo é desencadeado tendo como base uma suspeita. Para este efeito, o Ministro belga admitiu instalar câmaras de vigilância junto à casa dos suspeitos e até no equipamento das forças de segurança para recolherem imagens (in)voluntariamente.

5. Esta é mais uma machadada no Estado de Direito, em particular no princípio da presunção de inocência e na privacidade de cada um. É a orwellização da sociedade e a emergência das “nações bases-de-dados” de que falava Garfinkel que ameaçam conduzir a comunidade a uma divisão de classes num contexto de banalização dos estados de emergência: um direito para uma espécie, outro direito (ou ausência dele) para os outros. Afinal, estamos a seguir uma tendência preocupante que passa pela grosseira inversão do ónus da prova e pela condenação de cidadãos pela via administrativa. No entanto, gostaria que alguém se questionasse sobre como são estas listas criadas, que critérios decidem a integração ou não de alguém nelas, por quem são geridas, qual é o grau de intervenção judicial nelas e, muito importante, como pode alguém saber que é oficialmente suspeito e retirar o seu nome destas mesmas listas.

Especialista em Direito e Segurança internacional, ex-Oficial de Informações do SIED

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