“Boze burgers” versus “boze burgers”

Nem a aldeia mais pobre da Holanda deu mais votos a Geert Wilders do que ao partido do mainstream.

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Oude Pekela é a aldeia mais pobre da Holanda. Fica no norte, encostada à fronteira alemã, a duas horas e meia de Amsterdão e ainda mais longe de Haia ou Roterdão. Faz parte do roteiro do populismo holandês — e europeu — e na quarta-feira deu muitos votos ao Partido da Liberdade (PVV), de Geert Wilders, “o Trump holandês”.

Não foi uma surpresa. Em muitos aspectos, Pekela foi um espelho dos resultados nacionais das eleições holandesas. O VVD, liberal e de centro-direita, desceu em Pekela de 26,5% (em 2012) para 21,3%, e o PVV, de extrema-direita, subiu de 10,1% para 13,1%. Os eleitores que votaram em Wilders, xenófobo, nacionalista e nativista, são “boze burgers”, a expressão holandesa para “cidadãos zangados”, usada diariamente durante a campanha eleitoral.

Surpresa foi verificar que em Oude Pekela — onde vivem oito mil holandeses brancos e 200 refugiados do Médio Oriente — há dois tipos de “boze burgers”. Os que não querem refugiados na sua aldeia e os que querem. O jornalista Simon Kuper, do Financial Times, visitou a aldeia no mês passado. Várias vezes. Com calma, conta como uma aldeia que viveu da turfa durante séculos, passou a viver dos aglomerados e hoje não tem nem uma coisa nem outra. É a aldeia mais pobre da Holanda, mas tem no centro uma biblioteca pública limpa e aquecida e um centro desportivo. “A primeira coisa que se nota em Oude Pekela é que parece muito mais rica do que as aldeias pobres da Inglaterra ou de França. Se esta é a aldeia mais pobre da Holanda, a Holanda está em muito boa forma.” Só 8% da população tem um curso superior, há muito desemprego, o rendimento é o mais baixo do país e a população é muito mais envelhecida do que a média nacional. Mas o subsídio mínimo para um adulto na Holanda é de 266 euros por semana, mais do triplo do que no Reino Unido e nove vezes mais do que a média em Portugal.

Olhar para o microcosmos de Oude Pekela permite ver três coisas importantes. A dificuldade que o Ocidente está a ter em dar resposta à mudança de uma economia onde muitos operários perderam o emprego não para estrangeiros pobres mas para máquinas. Que há uma profunda divisão em relação à mensagem populista que pede o fecho das fronteiras e que nem a aldeia mais pobre da Holanda deu mais votos ao PVV de Geert Wilders do que ao partido mainstream. E que a construção (errada) feita pelos media sobre o que os cidadãos pensam abafa muitas vezes a voz dos que (ainda) acreditam na Europa. Que são muitos. O repórter do FT conta como uma ruidosa manifestação no centro da aldeia contra o centro de refugiados teve direito a cobertura nacional e que a seguir o presidente da câmara deslocou 130 refugiados para centros noutras vilas holandesas. Mas que a manifestação-resposta que se seguiu, de pessoas da aldeia zangadas com essa decisão, não teve qualquer repercussão. E assim, ninguém viu as centenas de “pekelers” que protestaram à frente da câmara municipal com cartazes a dizer “Estou envergonhado” ou “Candidatos a asilos são bem-vindos”. A não ser, pelo menos isso, os 300 refugiados de Oude Pekela.

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