Após Schulz, quem será o senhor que se segue no Parlamento Europeu?

Primeira ronda de votação para o novo presidente da eurocâmara realiza-se esta terça-feira, com sete candidatos a disputarem o lugar e sem que esteja em vigor o acordo de divisão do poder entre PPE e Socialistas.

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Martin Schulz moldou o cargo como um presidente mais interventivo e presente, ou mesmo omnipresente, para alguns críticos Kim Kyung-Hoon/REUTERS

O resultado da eleição é um dos mais incertos de sempre. Os eurodeputados votam esta terça-feira, em Estrasburgo, para escolher o próximo presidente do Parlamento Europeu (PE). Mas a corrida para liderar a instituição está mais aberta do que nunca, sinal dos tempos imprevisíveis que a União Europeia atravessa.

Martin Schulz deixa a presidência do PE para se candidatar às legislativas alemãs. Para lhe suceder, na segunda metade da legislatura que agora começa, há uma longa lista de sete candidatos — três são mulheres.

Para além da abundância de candidatos, os 751 eurodeputados preparam-se para votar num novo contexto: o fim da designada “grande coligação” informal para distribuir os principais cargos da instituição, incluindo a presidência, numa base de rotatividade. Nos últimos anos  permitiu aos principais grupos do PE — Partido Popular Europeu (PPE), socialistas (e, em parte, os liberais) — aprovar legislação crucial.  

O futuro presidente terá ainda que gerir a “herança” de Martin Schulz. É relativamente consensual que durante a sua presidência, o socialista alemão reforçou a visibilidade do Parlamento Europeu. Isso foi reconhecido pela maioria dos sete candidatos, no debate da semana passada promovido pela publicação Politico.

Schulz moldou o cargo como um presidente mais interventivo e presente, ou mesmo omnipresente, para alguns críticos. Mais do que protocolar, marcou posições políticas fortes. Não hesitou em estender a mão a Alexis Tsipras, no pico da crise das negociações entre Atenas e os parceiros europeus, quando se defendia a saída da Grécia da zona euro. Manifestou-se também abertamente contra as sanções a Portugal e Espanha por incumprimento do défice.

É certo que o socialista alemão beneficiou de mais tempo do que os seus antecessores para moldar a função presidencial. Caso único na história, foi eleito presidente duas vezes, um total de cinco anos.

Factores decisivos

O resultado imprevisível da eleição desta terça-feira resulta em grande parte do fim do acordo para a partilha de poder entre PPE (217 deputados) e socialistas (189), segundo o qual as duas famílias políticas dividem a presidência do PE em dois: na primeira parte da legislatura, é eleito um deputado de um grupo, cabendo a segunda metade à outra família política.

Após a presidência de Schulz nos primeiros dois anos e meio, caberia ao PPE a segunda metade do mandato. Com a saída de Schulz, o grupo socialista disse que o equilíbrio entre as famílias políticas no topo das principais instituições comunitárias se alterou e que o PPE não deve ficar com o exclusivo da liderança — da Comissão (Jean-Claude Juncker), do Conselho (Donald Tusk) e do PE. 

O fim da “grande coligação” informal e do acordo de poder foi saudado por alguns, por permitir o regresso da política. Finalmente, uma eleição que não é só um pró-forma. Desta vez, cada grupo apresentou o seu candidato, foi necessário fazer campanha, houve debate e o resultado não é certo.

Há sete concorrentes mas nada impede que surjam outros no início de cada uma das voltas do escrutínio. Numa eleição por voto secreto, um dos factores determinantes é a filiação ideológica/partidária. O grupo de centro-direita — o PPE —, escolheu o italiano Antonio Tajani. Os socialistas também optaram por um italiano, Gianni Pittella, líder da bancada.

Estes são, à partida, os candidatos mais fortes. Tajani e Pittella poderão vir a receber apoios de deputados de outros grupos em rondas posteriores. Votos de deputados conservadores no caso de Tajani; dos Verdes e da Esquerda Unitária a favor de Pittella. Decisivos serão ainda os votos do grupo liberal. Outros factores podem desequilibrar a balança a favor de um candidato, como a nacionalidade, o género, a defesa do projecto europeu ou a sua rejeição.

Caderno de encargos

O próximo presidente não terá tarefa fácil. Deverá dirigir e representar a instituição já sem a “grande coligação”, pelo que terá interesse em voltar a reunir as principais forças pró-UE. Disso depende, em última análise, o sucesso do seu próprio mandato. 

“O PE passa de uma aritmética estável a uma geometria variável. Dantes havia o acordo entre os que queriam avançar. Já não haverá um acordo clássico entre os dois, mas coligações caso a caso”, diz Charles de Marcilly, do centro de investigação Robert Schuman, que alerta para a pesada agenda legislativa desta segunda metade do mandato.

O social-democrata Carlos Coelho admite que “pode regressar a confusão”. O veterano dos eurodeputados portugueses diz que a ruptura do acordo PPE/socialistas “reduz a confiança entre os grupos. Num Parlamento que assenta no compromisso, pode criar-se mau ambiente”.

Por outro lado, os tempos são conturbados, numa UE que atravessa múltiplas crises e que está a braços com a saída do Reino Unido, processo sobre o qual os eurodeputados deverão pronunciar-se.

Há também eleições em vários Estados-membros fundadores, onde partidos nacionalistas e xenófobos poderão registar bons resultados com base em campanhas anti-Europa. Movimentos que dispõem no PE de uma potente caixa-de-ressonância no grupo Europa das Nações e da Liberdade, de Marine Le Pen.   

Finalmente, o presidente deverá representar o PE no debate sobre o futuro da Europa e refundação do projecto comunitário, que aparece esgotado aos olhos de muitos, abrir a instituição à cidadania e torná-la mais transparente.

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