Taliban atacam aeroporto para sequestrar aviões e enterram negociações de paz

Combates prolongaram-se pela noite dentro e voltaram a mostrar fragilidade da segurança nas instalações mais vitais para o Paquistão. Governo promete resposta "adequada".

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No domingo, o aeroporto tinha já sido alvo de um ataque reivindicado pelos taliban Reuters

Dois comandos, armados com metralhadoras e explosivos, entraram domingo à noite no aeroporto de Carachi, o maior aeroporto do Paquistão, desencadeando combates que se prolongaram até de manhã. Reivindicado pelos taliban, o ataque enterra os planos do Governo de Nawaz al-Sharif para negociar com os extremistas islâmicos.

Os confrontos só terminaram ao final da manhã, quase doze horas depois de o ataque ter sido lançado. “O nosso trabalho acabou”, disse Sibtain Rizvi, porta-voz dos Rangers, força paramilitar que liderou as operações, já depois de a meio da manhã se terem voltado a ouvir disparos no local. No chão, ao seu lado, foram alinhadas armas e dezenas munições que terão sido usadas no ataque.

O balanço oficial dá conta de 28 mortos, entre eles os dez atacantes e quatro funcionários do aeroporto. Mas o balanço poderia ter sido muito pior se o grupo tivesse conseguido, como seria sua intenção, atingir o terminal principal – à hora em que se ouviram os primeiros disparos estavam a embarcar os passageiros de dois voos operados pela Emirates e a Thai Airways. “Havia centenas de passageiros e de funcionários no terminal a essa hora. Teria sido desastroso”, disse à Reuters uma fonte da segurança paquistanesa.

A suspeita é reforçada pela ameaça implícita nas declarações do porta-voz do Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP), a cúpula do movimento taliban paquistanês ao reivindicar a acção. “O principal objectivo era atingir o Governo, incluindo sequestrar aviões e destruir instalações estatais”, disse Shahidullah Shahid. Fontes citadas pela Reuters adiantam ainda que nas mochilas dos operacionais foram encontradas garrafas de água e frutos secos, o que indicia que estariam preparados para um longo cerco.

Vídeos de segurança mostram que os atacantes chegaram pouco antes da meia-noite a um terminal secundário do aeroporto internacional de Jinnah, usado sobretudo por aviões de cargas e comitivas oficiais. Rizwan Akhtar, comandante dos Rangers, disse que os atacantes “seriam uzbeques” – o Movimento Islamista do Uzbequistão, um grupo com ligações à Al-Qaeda, tem bases nas zonas tribais paquistanesas e participou em algumas das acções mais ousadas reivindicadas pelos TTP.

Vestidos com uniformes militares e equipados com metralhadoras e lança-granadas, dividiram-se em dois grupos que avançaram em direcções diferentes. Três deles terão detonado cintos de explosivos que transportavam. Durante a noite foram visíveis chamas no edifício do terminal, mas os responsáveis do aeroporto asseguram que nenhum avião foi destruído.

Carachi – a maior metrópole e o pulmão económico do Paquistão, apesar da violência e das lutas políticas fratricidas – foi palco de um atentado semelhante em 2011. Na altura, os rebeldes apoderaram-se de uma base naval, mataram dez soldados e destruíram dois aviões militares, em retaliação pela morte do líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, numa operação das forças especiais americanas. Tal como então, a acção deste domingo expõe a deficiente segurança mesmo das infra-estruturas mais vitais do país face a uma rebelião que só nos últimos sete anos matou mais de seis mil pessoas, segundo cálculos da AFP. Representa, também por isso, um golpe nos esforços de Sharif para atrair investidores estrangeiros ao país.

Mas a consequência mais imediata da operação deverá ser o fim antecipado das negociações, já moribundas, com os taliban. “O Estado vai responder adequadamente a este acto terrorista cobarde”, reagiu o ministro da Defesa, Khawaja Muhammad Asif, dando sinais de que o Governo vai acatar os conselhos do Exército que, há meses, pedia o reinício das operações militares contra as zonas tribais.

Eleito em 2013 com a promessa de trocar a estratégia militar por uma solução negociada, o primeiro-ministro conseguiu que a liderança dos TTP – apesar das cisões entre os que apoiam e que se opõem às conversações – aceitasse dialogar. Em Março, a organização chegou a decretar um cessar-fogo, mas recuou um mês depois, acusando o Governo de não cumprir os seus compromissos, e o Exército voltou a atacar os redutos da rebelião.

“O Paquistão usa a paz como um instrumento de guerra, matando centenas de mulheres e crianças nas nossas aldeias”, afirmou o porta-voz do TTP, acrescentando que a acção deste domingo “foi o primeiro ataque para vingar a morte de Hakimullah Mehsud”, o líder do grupo abatido em Novembro por drones dos EUA. “Isto é apenas um exemplo do que somos capazes e não vamos ficar por aqui. O Governo deve estar preparado para ataques ainda piores”.

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