A nova vida do progressismo americano

Saint Paul, Minnesota, EUA. — A diferença que um mês faz. No fim de setembro, antes do primeiro debate presidencial americano, todas as tendências pareciam favorecer Donald Trump. Os americanos, sobretudo os progressistas, começavam a habituar-se à ideia de ver Presidente Trump na Casa Branca. Tinham de engolir em seco e esfregar os olhos para terem a certeza do que estavam a ver mas, se fossem justos, a projeção de força do candidato republicano, aliada ao entusiasmo que ele gerava entre os conservadores e ao estilo convencional de Clinton, era matéria mais do que suficiente para concluir: este não são os nossos tempos. A mesma vaga reacionária que já varreu vários países vai chegar aqui.

Hoje a situação é muito diferente. Claro que a gravação mostrando um Trump agressor sexual teve o seu impacto e nos deixará para sempre com a questão: o que sucederia se nas eleições tivéssemos um Trump que fosse como este um pulha em tudo o que era público mas que não calhasse também ser um pulha em privado? Estaríamos a caminhar agora para um mundo insustentavelmente perigoso, em vez de só perigoso. Os americanos tiveram sorte, e nós com eles.

Ao mesmo tempo, sinto que as incidências mais debochadas da campanha não fazem jus ao extraordinário desempenho de Hillary Clinton. Ele ganhou três debates sendo aquilo que é: preparada, esforçada, estudiosa, dedicada. Estas são qualidades independentes da variável "ideologia" — Clinton continua a ser centrista, neoliberal e moderada, e está no seu direito. Ainda que eu não a acompanhe até essas paragens, não posso deixar de confessar que me impressionou o que já sabíamos dela, o domínio das políticas e o gosto de jogar pelo seguro, mas também o que é menos valorizado, que é por essa capacidade política ao serviço de qualidade empáticas. Isso tem impressionado também os seus potenciais eleitores, que pela primeira vez não sentem só repulsa pelo adversário mas entusiasmo por ela. A vitória de Clinton não será só a derrota de Trump.

Como é evidente, a vitória também não será só de Clinton porque, ao contrário do one-man show republicano, o esforço democrata tem sido um jogo de equipa, que passa por Barack e Michelle Obama, Bill Clinton e Joe Biden, e cada vez mais pelos senadores progressistas Bernie Sanders e Elizabeth Warren.

E agora chegou de novo a altura em que a esquerda americana esfrega os olhos e se belisca — mas porque não consegue acreditar na sua sorte. Os republicanos deram-lhes o que em termos de ciência política se chama "uma abébia" — e desta vez não veio sob a forma de Trump. Paul Ryan, o suposto representante do conservadorismo responsável no Congresso, quis alertar para o perigo dos democratas ganharem o senado perguntando à sua plateia: "se eles ganharem sabem que vai controlar o orçamento no Senado? Um tipo chamado Bernie Sanders". O tiro saiu pela culatra, com fragor.

Nada poderia galvanizar mais os jovens à esquerda do Partido Democrático, para quem agora é ponto de honra que nos próximos quatro anos um "socialista democrático" como Sanders tenha uma palavra decisiva sobre o orçamento dos EUA. Podem não ter conseguido levá-lo à Casa Branca, mas no sistema dos EUA isto não fica muito atrás.

E como o Senado também confirma a nomeação de juizes para o Supremo, há um velho sonho que pode vir a tornar-se realidade: a abolição da pena de morte.

Não, o progressismo ainda não mandou a toalha ao chão. Por aqui até parece ter uma nova vida.
 

 

 

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