O histórico Bolhão sobrevive pelo souvenir e não quer a nova casa

Comerciantes vão ser realojados no piso -1 do centro comercial La Vie, o antigo Gran Plaza, durante as obras no mercado. O local parece não agradar a grande parte dos vendedores que se dizem condenados ao fracasso.

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Nelson Garrido
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Ao entrar nas grandes portas de ferro para o histórico mercado do Bolhão, não é só o Porto que ali se respira. Este é agora um mercado que vive dos turistas e que vale mais pelas suas estruturas e pelas suas pessoas do que pelos produtos que ali se vendem e que as grandes superfícies comerciais também oferecem. 

Com o arranque das obras exteriores de modernização do Bolhão previstas para ontem, não há ainda, porém, sinais de máquinas, operários ou barulhos que denunciem o processo que se espera que termine nos primeiros meses de 2019. Mas a angústia já mora no interior do velho mercado.

Ainda que a saída dos vendedores para o piso -1 do centro comercial La Vie, ali ao lado, na rua Fernandes Tomás, só esteja prevista para o segundo trimestre de 2017, Fátima Teixeira considera que o antigo Plaza não é o sítio “ideal”. A comerciante vende frutas e compotas há 26 anos e afirma estar “habituada a um sítio mais aberto, mais feirinha. Lá não é bem o nosso género”. 

Ouve-se o receio no discurso dos vendedores. “Não sabemos como vai ser, em que tipo de instalações é que vamos ser colocados”, diz ao PÚBLICO Fernando Pereira, da padaria. “Acho que vamos perder 80% das vendas, porque a maioria das pessoas que cá entram são turistas”, avisa. 

Apesar de esperarem por obras de restauro do mercado há mais de 20 anos, a alternativa proposta pela autarquia não agrada a alguns vendedores. Para Rosa Gonçalves, “o mercado já não serve as pessoas do Porto. Neste momento isto é só para o turismo e àquele espaço ninguém vai”, destacou a vendedora de atoalhados e artesanato. “Aquele shopping não é, de forma alguma, um sucesso. É um fracasso”, rematou. 

Contactado pelo PÚBLICO, Nuno Santos, assessor da Câmara do Porto, referiu que o mercado temporário terá “algumas vantagens na habituação da clientela” face às outras localizações que estiveram em cima da mesa: os parques de estacionamento Siloauto e da Trindade e o quarteirão da Casa Forte. A vantagem principal prende-se com o acesso via metro, já que o centro comercial La Vie e o novo Bolhão vão interagir com a mesma estação de metro. “Quem chegar ao metro vai entrar directamente no Bolhão, sem subir escadas”, referiu, estando prevista uma entrada subterrânea para o mercado.  

Ouve-se merci e thank you por toda a parte com o sotaque de quem, já se sabe, arranha qualquer língua. O mercado está apinhado de turistas que se vão rendendo ao pastel de nata e ao cálice de vinho do Porto. 

Alcina Freitas, que começou por vender pão há 50 anos, diz ao PÚBLICO que vai sobrevivendo porque vende “umas águas, uns sumos, umas sandes para o turismo”. No mercado temporário, Alcina não vai poder vender estes produtos. “Só vou poder vender o que está na minha licença de antigamente. Nós éramos aqui 13 padeiras e éramos nós que vendíamos tudo. Agora estão 28 padarias aí fora. Eu não vou resistir a vender 150 pães por dia a ganhar 1 cêntimo em cada um”, lamenta a vendedora. 

O mercado está a viver dos turistas mas a estratégia para o novo Bolhão é a de criar um mercado de frescos para a cidade. A garantia é dada por Nuno Santos que afirma que a Câmara do Porto não vai fazer o restauro do mercado a pensar no turista. “Não queremos que o Bolhão se transforme num shopping centre. Por isso, o turista não é para nós o público que vai sustentar a actividade do mercado”, afirma. 

Preocupada com a “descaracterização do mercado do Bolhão”, porque ali se vendem “coisas que não são típicas de um mercado de frescos”, a autarquia quer que com o mercado de transição possa haver um “trabalho de habituação, de promoção daquela actividade” e que se destine às pessoas que moram no Porto e aos restaurantes. Para além de ser uma “oportunidade de formação dos comerciantes no que respeita às regras de higiene e segurança alimentar que hoje a lei exige”, acrescenta o assessor da autarquia.

Sara Araújo tem 42 anos e já passou mais de metade da vida a vender peixe no Bolhão. Em conversa com as colegas, lamenta que a autarquia “não tenha convocado as pessoas interessadas” para a reunião do passado dia 27 de Julho em que tornou pública a decisão de os comerciantes serem realojados no antigo Gran Plaza. “Foi tudo decidido e a gente não soube de nada. Eles decidiram entre eles. Simplesmente liguei a televisão e fiquei a saber que ia para o La Vie”, afirma a peixeira. 

Uma das preocupações de Sara prende-se também com o facto de não poder vender marisco, como o faz há já alguns anos, por causa da licença que não prevê a venda desse tipo de produtos, como o camarão, a amêijoa e a sapateira. 

Os vendedores temem que os poucos clientes que ainda lhes são fiéis não os acompanhem para o mercado temporário. “Acho que podiam procurar outro espaço, mais adequado. Na cave, as pessoas têm de descer de escada rolante e nós temos muitas clientes de idade que têm medo da escada e de elevadores”, avisa Fátima Teixeira. “Quase de certeza que os clientes habituais não vão connosco”, remata o colega Alexandre Pires. A esperança do comerciante, que agora acompanha a mãe nas vendas no mercado, é a de que a Câmara “promova e crie condições para que se possa lá laborar”. 

Nuno Santos compreende o “receio” dos comerciantes de que possam ficar “escondidos” no novo espaço. Por isso, o adjunto de Rui Moreira para a comunicação adianta que a autarquia está a “investir fortemente numa campanha publicitária, de comunicação e de eventos que possam atrair pessoas ao mercado transitório”. 

“A Câmara está neste momento a trabalhar com o Gabinete do Bolhão e com a mesma equipa que criou a marca Porto Ponto para preparar uma operação de comunicação e de criação da marca Bolhão que é mais complexa e que nos vai fazer investir mais dinheiro do que a marca do Porto”, rematou Nuno Santos. 

Apesar das críticas, os vendedores reconhecem a necessidade “urgente” das obras e da mudança, ainda que considerem não ser a melhor opção. Mas a crença num futuro mais risonho para o mercado dos portuenses parece estar abalada. “Neste mercado, 90% é turismo e só funciona com o artesanato e com os souvenirs. Não acredito que só um mercado de frescos vá funcionar”, duvida o vendedor de flores e de souvenirs.

Texto editado por Ana Fernandes

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