Câmaras do Algarve, acossadas pelos cães vadios, investem 2 milhões num canil

Mais do que construir a casa para os cães, o que preocupa os autarcas é o preço a pagar para cuidar dos animais abandonados. O estudo de viabilidade económica não está feito, mas os autarcas já concluíram: “É só para perder dinheiro.”

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Algarve quer resolver problema dos cães abandonados PAULO PIMENTA

Metade das 16 câmaras do Algarve, na zona do sotavento, vai investir cerca dois milhões de euros na construção de um canil, em Alcoutim. Dinheiro para a obra, admite o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (Amal), Jorge Botelho, “não é o mais difícil, a dificuldade poderá estar na sustentabilidade”. Este foi um dos assuntos que marcou a última reunião da Amal, centrada na questão dos animais abandonados e nova lei que proíbe o abate de cães e gatos, por falta de espaço nos canis e gatis. A regra, a vigorar a partir de 2018, passa a ser a esterilização e a adopção.

O que está previsto no novo diploma, aprovado por unanimidade na Assembleia da República, é o que se pratica há mais de três décadas no canil de São Francisco de Assis, em Loulé. “Isso é o que fazemos desde sempre”, sublinha a alemã Lieselotte, mais conhecida por “Lilo” – presidente da Associação dos Amigos dos Animais Abandonados, que dirige este canil, que dá abrigo a 300 cães, 50 gatos e três mulas.

Hoje, em Lagoa, na sequência da reunião do Conselho Intermunicipal da Amal, realizado na passada sexta-feira, os autarcas do sotavento, vão debater a hipótese de vir a construir, à semelhança do que se projecta para Alcoutim, um outro canil/gatil. Para já, os autarcas decidiram que o estudo que irá determinar o tipo de canil e a forma como poderão ser administradas estas duas infra-estruturas vai ser alargado a toda a região, sendo suportado pelas 16 câmaras. “Podiam começar por conhecer a nossa experiência”, observa Liesotte, que conhece o terreno do “abandono” dos animais, desde há 46 anos, quando veio viver para o Algarve. “A região de turismo podia dar-nos uma medalha”, brinca, lembrando o trabalho que tem vindo a desenvolver para resgatar os cães, à deriva pelos campos e praias.

O canil de São Francisco de Assis – um dos 18 que estão protocolados, a nível nacional – recebe o apoio das câmaras de Loulé, Faro e Tavira, para além de instituições congéneres estrangeiras e de particulares. Os pedidos de adopção, por ano, situam-se na casa das duas centenas, vindos da Alemanha. Porém, as preocupações com a vida animal, comenta a vice-presidente da Associação, Lurdes Inês, “registaram uma significativa melhoria”. Deste canil para as casas particulares dos portugueses, em média, 150 animais por ano. “Preferem os cachorrinhos, os adultos ficam de lado”.

A razão, alegam, prende-se com o facto de julgarem que os novos são mais fáceis de ensinar. “É um erro – estes animais, tão carenciados que ficam depois do abandono, ficam gratos para sempre a quem os recebe”. Por sua vez, Liesotte diz, em relação à castração, que os caçadores alimentam um mito: “Têm a ideia que os animais castrados perdem o faro – não é verdade, os meus cães [castrados] saíam para o campo e vinham de lá com um coelho na boca”.

O número de animais deixados à sua própria sorte, tradicionalmente, registava os números mais elevados em dois períodos – um, no início do período das férias de Verão, outro na fim da época da caça. “Agora é todo o ano”, revela Lurdes Inês, lembrando que a construção de um ou dois canis intermunicipais na região “pode até não ser suficiente”.

Os presidentes de câmara, acossados com os problemas sociais que resultam dos chamados “cães vadios” manifestam-se preocupados. “Esta é uma situação muito séria, que tem de ser resolvida à escala regional”, lembra Jorge Botelho, recebendo a concordância dos seus pares. O estudo que vai ser realizado até final do ano vai analisar a experiência de três canis, com características diferentes – Cantanhede, Arganil e Beja. Em causa está escolha do modelo de gestão e viabilidade económico do projecto para a região algarvia. “Em termos económicos, é só para perder dinheiro”, rematou Jorge Botelho, na reunião do Conselho Intermunicipal da Amal.

A localização do canil/gatil, em Alcoutim – situado na zona mais periférica da região –, foi justificada pela necessidade de “tornar consequente a politica de coesão territorial”. O presidente do município, Osvaldo Gonçalves, recebe a proposta com agrado: “A criação de 12 postos de trabalho directos, num concelho do interior tem muito significado”.

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