Pitch para sitcom sobre Ricardo Salgado

Depois de sair da prisão, Salgado descobre que está falido. O dinheiro que ele escondera foi descoberto e usado para ressarcir os clientes lesados pela moscambilha do papel comercial.

(Estou ciente de que a premissa enferma de grandes inverosimilhanças: I) que Ricardo Salgado é julgado, II) condenado, III) cumpre pena de prisão e IV) vai à falência apenas por perder 550 milhões que faltam pagar. Mas trata-se de ficção, por isso peço ao leitor que alinhe comigo na fantasia.)

Portanto, Ricardo Salgado vê-se na bancarrota. O seu único pertence é um cadeirão velho, que manteve por razões sentimentais — era lá sentado que mentia ao governador do Banco de Portugal. Debaixo da almofada, Salgado encontra o contrato de um empréstimo que Ti Jorge, merceeiro de Alcorochel, Torres Novas, houvera contraído há décadas junto do avô de Salgado. Sem mais nada a que se agarrar, o ex-banqueiro resolve ir cobrá-lo. O filho do merceeiro, que gere o negócio com o pai, alega que a mercearia não tem liquidez, de maneira que Salgado não tem outro remédio senão ficar com uma quota. Ficam então três sócios: o pai, o filho e o Espírito Santo. Nome da sitcom: “Santíssima Trindade”. Ao longo da série vamos descobrir que, como no catolicismo, não se percebe muito bem o papel do Espírito Santo, mas normalmente é o responsável pelas coisas esquisitas, como a gravidez de uma virgem.

Segue-se regabofe. O humorismo vive do confronto de opostos. De um lado, temos o velho negociante manhoso com as suas contas à merceeiro, do outro, temos o pai e o filho.

Já redigi as sinopses de vários episódios. Por exemplo, há o episódio em que Ricardo Salgado transfere todas as hortaliças para um minimercado nas Ilhas Caimão. À falta de verduras, impinge urtigas, que classifica como espinafres franceses, a 865 euros/Kg. Quando, cheios de aftas, os clientes vêm pedir satisfações, Salgado reembolsa o Varela da oficina — por ser maluco e dizer-se na aldeia que já matou uma pessoa — mas borrifa-se nos outros, limitando-se a passar-lhes cartas de conforto. Ocorre situação hilária quando a Francelina do snack-bar A Francelina aplica a carta nas aftas, tipo emplastro, sem retirar qualquer conforto.

Há também o episódio em que os seguranças israelitas de Salgado se recusam a trabalhar num estabelecimento que vende paios e chouriças, o que leva Salgado a ordenar ao comissaire aux comptes que registe como imparidades todos os derivados do porco.

No season finale, o Ti Jorge, já resignado ao novo sócio, tenta envolver Ricardo Salgado na gestão e pergunta-lhe se acha boa ideia adquirirem 20 sacas de feijão branco a 1,96 euros/Kg. Salgado aconselha-o antes a investir em Angola. Depois amua porque não recebe uma prenda pela recomendação. “Bastava um milhão!”, queixa-se. Mas Salgado vinga-se, ao convencer Ti Jorge e o filho que “holding em cascata” é um tipo de bolo de chocolate por camadas que eles deviam vender. Acaba por lhes ficar com a mercearia. A primeira temporada termina com Salgado sentado no seu velho cadeirão e a dizer: “Alcorochel é só o princípio. Vou ser outra vez dono disto tudo! Ah, ah, ah!”, enquanto faz festinhas num gato. Entretanto, na rua, uma rapariguinha chora e cola cartazes a dizerem “Procura-se”, com a foto de um gato.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários