Banif: Maria Luís diz que houve pressão de Bruxelas para solução em 2015

Ex-ministra das Finanças disse, na comissão de inquérito ao Banif, que houve pressão da DGComp para que fosse estabelecido um acordo de solução em relação ao Banif ainda em 2015.

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Maria Luís está a ser ouvida pela segunda vez no parlamento sobre o Banif Nuno Ferreira Santos

A ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque afirmou, nesta quinta-feira, que  "houve muita pressão" por parte da Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia (DGComp) para que fosse estabelecido um acordo de solução em relação ao Banif ainda em 2015. A agora deputada do PSD está a ser ouvida pela segunda vez na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão, intervenção e resolução do Banif.

Miguel Tiago, do PCP, arrancou com a primeira ronda de perguntas: "Qual foi o critério para não converter" os 125 milhões de euros de capital contingente (CoCos) ainda por pagar ao Estado "em capital?". Na perspectiva deste deputado, esta opção teria reforçado os poderes do Estado (que tinha então 61%) no Banif. 

A 31 de Dezembro de 2012, o Banif recebeu 1100 milhões de euros de fundos públicos, dos quais 400 milhões em resultado de um empréstimo de Cocos. Deste último valor, o Estado recuperou 275 milhões. Mas depois do Banif falhar, no final de 2014, o pagamento da última tranche deste financiamento, a DGComp abriu a 24 de Junho de 2015 um processo de investigações aprofundadas ao auxílio público. O plano de devolução dos 1100 milhões ao Tesouro previa que os 700 milhões injectados directamente só teriam de ser entregues pelo banco em 2017, o que decorreria por entrada de novos accionistas.  <_o3a_p>

Maria Luís Albuquerque explica que o Banco de Portugal entendeu, na altura, que não era prudente autorizar o Banif liquidar a dívida ao Estado, pagando os 125 milhões. “O que foi entendido por mim era que se tratava de um atraso e não de um mau pagamento”, disse a deputada, acrescentando que a conversão desses Cocos (125 milhões) em capital poderia suscitar uma apreciação negativa sobre o sistema financeiro. Isto, para além de lesar os accionistas privados que entraram no Banif depois da nacionalização (por compra das acções do Estado que inicialmente tinha 99% do capital) "que veriam a sua posição diluída". O que, no entender da ex-ministra, "não era legítimo".<_o3a_p>

"Essa acção salvaguardou o interesse privado ou público?", questionou depois Miguel Tiago. À pergunta do comunista, a agora deputada do PSD respondeu que a intenção "foi salvaguardar o interesse dos contribuintes" e "assegurar a estabilidade financeira" que constitui um dever de qualquer ministro das Finanças.<_o3a_p>

O deputado do PSD, Carlos Abreu Amorim, interrogou, em seguida, a sua colega de bancada sobre a "lógica do processo de investigação aprofundado" aberto pela DGComp ao Banif e perguntou se o prazo de conclusão era 2016. Maria Luís respondeu: "Sim senhor deputado, quer o processo de investigação aprofundada", quer o processo de venda voluntária do Banif teriam de estar fechados em 2016. “O processo estava em curso quando cessei funções", assegurou a ex-ministra, para quem todos os processos de reestruturação em que esteve envolvida começaram com "resistências" e "prognósticos" de insucesso por parte da DGComp. Negociar com a DGComp "exigiu muito trabalho", persistência e colaboração com as autoridades europeias, acrescentou. E deu como exemplo, os processos em que esteve envolvida: o BPN (na venda ao BIC Portugal) e os estaleiros de Viana do Castelo (este acabou por fechar). Mas nota que o comportamento da Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia "não é automático", mas "é um instinto".

Carlos Abreu Amorim quis depois saber em que condições a ex-ministra deixou o dossier Banif quando saiu do Governo. “Houve um acelerar do calendário por pressão da Comissão Europeia para que houvesse uma decisão até ao final do ano" explicou a deputada. E "estávamos a trabalhar no sentido de se encontrar uma solução sem auxílios públicos". 

A ex-ministra insiste que "houve muita pressão" por parte da DGComp para que fosse estabelecido um acordo de solução em relação ao Banif ainda em 2015, mas “não alterou a substância do que estava a ser feito". E confessa: "Fiquei surpreendida pela compressão do prazo" para que o dossier ficasse fechado ainda em 2015. E foi por esta razão que o Governo anterior acelerou o processo de venda voluntária que estava em curso a 18 de  Dezembro de o ano passado, quando banco começou a ser resolvido. 

Processo tinha riscos, insiste Mortágua

"Havia uma pressão, mas não era forçoso" que o negócio ficasse fechado em 2015, sublinha Maria Luís Albuquerque. Recorde-se que a Comissão Europeia, nas respostas aos deputados europeus da bancada social-democrata, refere que o processo Banif só teria de estar fechado em 2016. Para a ex-governante a entrada em vigor da directiva do bail-in (resgate da banca por meios internos), que se pode traduzir em perdas para os grandes depositantes, envolvia "um risco muito grande". 

O deputado socialista, João Galamba, interroga Maria Luís Albuquerque sobre se foi "a sua" falta de acção, enquanto ministra das Finanças, que abriu a porta a uma investigação aprofundada ao Banif decretada em Julho de 2015. E a deputada reagiu lembrando que foram várias as razões que justificaram a iniciativa da DGComp e que na sua óptica o que foi importante foi a ausência de aprovação de um plano de reestruturação. E chama ainda a atenção para o impacto do evento TVI, que ocorreu dias antes da medida de resolução: "Não e possível imaginar que a saída de mil milhões de euros do banco em quatro dias não tenha tido impacto nas propostas [que foram apresentadas no concurso público que estava nessa altura a correr] de compra do banco”.

À deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que insiste que o processo Banif tinha riscos, Maria Luís Albuquerque apresenta a tese de que "não se deve desistir sem tentar". "E tentar mesmo: é ir ao mercado, pôr à venda", tentar adaptar as propostas. A ex-ministra refere que é preciso "tentar mesmo, e esta estratégia [de ir negociando com a DGComp sem ceder a pressões] permite que os processos tenham sucesso. E esta é a minha experiência." 

A ex-ministra responde a Mortágua sobre os riscos associados ao Banif, dizendo que foi por esta razão que se "antecipou o calendário de venda voluntária para o final de 2015", embora "estivesse previsto para o início de 2016". Uma decisão que se destinou a "evitar esse risco" e foi tomada "ainda enquanto era ministra das Finanças". 

Para Maria Luís Albuquerque "ganhar tempo era uma estratégia que fazia todo o sentido" e permitiu que ao fim de três anos da intervenção pública, "a situação do país estava melhor e a do banco também". O que foi seguido pelo anterior Governo "foi uma estratégia de negociação”.

Ao deputado do PP, João Almeida, a social-democrata admite que o facto de o Governo de Pedro Passos Coelho ser de transição, contribuiu para acelerar o desfecho do Banif. 

A deputada recorda "a evolução positiva do Banif ao longo de três anos, que não foram perdidos, pois o problema diminuiu face ao que existia quando o processo começou", em Dezembro de 2012. E salienta que "a interacção" que se verificou nesse período "com a CE, permitiu manter o diálogo porque a CE também reconheceu que houve um esforço e progressos". Maria Luís Albuquerque observou: "E foi também este trabalho que o Banif fez."

Continuando a responder a João Almeida admitiu que "se tivesse sido possível vender o banco", o teria feito. A deputada social-democrata conta que recebeu vários interessados em adquirir a instituição. E explicou que alguns só foram recebidos porque era o Banif, dando a entender que não lhe mereciam confiança "por não se saber que interesses representavam". E nenhum avançou com uma oferta firme.  A ex-ministra justifica ainda por que razão não foi aberto concurso de venda do banco mais cedo: "Se não tivesse aparecido nenhum interessado seria uma sentença de morte" para o banco.

Antes da primeira ronda de perguntas terminar, a ex-governante declinou comentar o impacto do desfecho do Banif nos contribuintes.

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