Como uma crise italiana se pode fazer sentir em Portugal

Um acidente num banco em Itália aumentaria a desconfiança dos mercados no sector. Resolução de problemas como o da CGD em Portugal ficaria mais difícil.

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Matteo Renzi pode abandonar frente dos países do sul. Reuters/ALKIS KONSTANTINIDIS

Seja qual for o ângulo por onde se olhe, Portugal é um dos países da zona euro que mais podem ter a perder com os últimos desenvolvimentos políticos e financeiros em Itália. Maior desconfiança em relação ao sector bancário, agravamento da pressão nos mercados de dívida pública e mudança na correlação de forças a nível europeu: todos estes factores podem tornar a vida mais difícil ao país, num momento em que Portugal continua na linha da frente das atenções dos mercados.

O sector bancário é o canal pelo qual os efeitos podem ser mais imediatos. É aí que a Itália tem o seu ponto fraco, devido à situação de grandes bancos como o Monte dei Paschi di Siena ou o Unicredit. Se, em algum deles, os actuais planos de recapitalização falharem e as autoridades italianas forem forçadas a avançar para um processo de resolução, a zona euro teria de enfrentar mais uma vez um cenário de perdas para credores, capaz de minar ainda mais a desconfiança dos investidores em relação à saúde do sistema bancário europeu.

Para Portugal, outro país em que o sector bancário enfrenta uma séria fragilidade, uma conjuntura deste tipo teria consequências imediatas. Por exemplo, na Caixa Geral de Depósitos. É certo que neste caso, tratando-se de um banco público, a capitalização não será feita por privados, mas a execução do plano do governo implica que a CGD consiga realizar emissões de dívida nos mercados durante os primeiros três meses do ano.

O ambiente de incerteza em Itália e, em particular, a ocorrência de um “acidente” em algum dos seus grandes bancos tornaria essa operação na Caixa mais difícil (e certamente mais cara) de concretizar. A mesma lógica aplica-se à privatização no Novo Banco e à capacidade dos outros bancos em obterem financiamento a um preço razoável.

Depois há o impacto nos títulos de dívida pública. Nos últimos anos, foi evidente a forte ligação entre a evolução das taxas de juro da dívida dos países soberanos. Tirando alguns momentos excepcionais, quando um país sofre, todos os outros sentem o impacto. Isso ainda é mais verdade para a Itália, o país da Europa periférica que a zona euro teria mais dificuldade em resgatar caso entrasse em sérias dificuldades.

Sendo assim, um agravamento da percepção dos mercados relativamente à qualidade de crédito do Estado italiano poderia resultar num agravamento das taxas portuguesas, que se mantiveram esta segunda-feira na casa dos 3,7% (a Itália está próximo dos 2%).

Para além disso, há um efeito de mais longo prazo da crise italiana em Portugal. Matteo Renzi e o governo italiano eram vistos como a força mais importante no desafio que tem vindo a ser feito pelos países do sul da Europa à política económica e orçamental europeia.

O executivo italiano liderou alguns dos debates em que Portugal tem mais interesses. Com o seu orçamento sob pressão, Renzi não hesitou em desafiar Bruxelas com metas orçamentais abaixo do exigido pelas regras, o que ajudou a Comissão Europeia a inclinar-se mais rapidamente para a aplicação de maior flexibilidade na leitura dos tratados.

De igual modo, em discussão directa com a Alemanha, o governo italiano protestou contra a aplicação das novas regras da resolução bancária na zona euro, que impõe perdas a credores e accionistas, antes da injecção de dinheiro por parte do Estado, e dificultam uma solução global em sectores bancários com elevados volumes de crédito malparado, como a Itália e Portugal.

Nestas frentes, o Governo de António Costa pode perder, caso a saída de Matteo Renzi seja definitiva, um aliado importante em algumas das questões europeias que mais interessam ao país.

Esta segunda-feira, no Eurogrupo, ficou claro que a pressão sobre o orçamento português se mantém. Numa repetição daquilo que já tinha sido feito no passado mês de Fevereiro e em simultâneo com promessas idênticas feitas por outros países, o ministro das Finanças português comprometeu-se junto aos seus colegas do resto da zona euro em aplicar no próximo ano as medidas que sejam necessárias para atingir as metas para o défice público exigidas pelas regras europeias.

Num comunicado publicado pelo Eurogrupo sobre os planos orçamentais dos países da zona euro, assinala-se que os cálculo da Comissão aponta para sejam necessárias medidas adicionais em 2017, afirmando-se que “são bem-vindos os compromissos de Portugal para aplicar as medidas necessárias para garantir que o Orçamento para 2017 irá cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.

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