CMVM investiga operação mistério envolvendo acções da Cimpor

Investidor inglês solicitou esclarecimentos sobre a operação que não foi divulgada ao mercado. A cimenteira reconhece a transacção, mas alega que não havia dever de comunicação.

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A empresa é controlada pelo grupo brasileiro Camargo Corrêa Foto: José Manuel Ribeiro/Reuters

As contas anuais de 2012 e semestrais de 2013, publicadas pela Cimpor, controlada pelo grupo brasileiro Camargo Corrêa, revelam um diferencial de 536.500 acções da cimenteira, resultante de uma transacção que nunca foi objecto de divulgação autónoma ao mercado, o que está ser alvo de análise por parte da Comissão de Mercado de Valores Mobiliárias (CMVM).

O PÚBLICO apurou que esta semana chegou ao regulador um requerimento, entregue por um investidor institucional inglês, a solicitar explicações sobre os contornos da aquisição (quem vendeu e a que preço) do grupo brasileiro, concretizada através da InterCement Áustria, do bloco de acções da Cimpor.

“A CMVM tem conhecimento” da situação que está, neste momento, “a analisar”, disse ao PÚBLICO uma fonte oficial da instituição de supervisão liderada por Carlos Tavares, quando inquirida sobre se estava a par da existência nas contas da cimenteira de um diferencial de 531.500 acções próprias.

Nos relatórios semestrais divulgados em Agosto de 2013, a InterCement Áustria, que controla a Cimpor, revela ter mais 536.500 acções da empresa do que o valor mencionado nas contas anuais de 2012, publicadas em Abril do ano passado. Para a Cimpor, a operação é neutra: “Confirmamos a alteração da posição do accionista InterCement Austria Holding GmbH apresentada no relatório e contas do 1º Semestre de 2013, não cabendo neste caso qualquer outro requisito de divulgação previsto no Código dos Valores Mobiliários e/ou Regulamentos da CMVM”. 

Este não é, contudo, o entendimento do hedge fund Whitebox, que, já esta quarta-feira, veio pedir esclarecimentos à CMVM sobre a origem do diferencial de acções próprias da Cimpor, tendo agora o regulador 10 dias para responder. O accionista minoritário quer também saber se, para além de estar a analisar a discrepância, a CMVM considera o tema relevante. Mas o seu objectivo final é obrigar a Camargo Corrêa não só a revelar o nome das entidades a quem a InterCement Áustria comprou as acções da Cimpor, mas sobretudo o preço que pagou, isto para apurar (e poder contestar) se houve tratamento preferencial.

À data da transacção intra-grupo Camargo Corrêa, existiam 4 administradores comuns à InterCement Participações Brasil e à Cimpor: José Edison Barros Franco, Albrecht Curt Reuter Domenech, Luiz Roberto Ortiz Nascimento e André Pires Oliveira Dias. E é por esta razão que o Whitebox defende que deveria ter havido aviso específico ao mercado, pois a InterCement Áustria é um veículo detido a 100% pela InterCement Participações Brasil.

De acordo com o Código dos Valores Mobiliários a prestação de informação ao mercado é obrigatória sempre que envolva “qualquer entidade que seja directa ou indirectamente dominada pelo dirigente (de emitentes com sede em Portugal), constituída em seu beneficio ou de que este seja também dirigente”. É para estes tópicos que a CMVM tem estado a olhar desde Agosto, quando foi alertada, pela primeira vez, para a existência do saldo diferencial nas contas Cimpor, relacionado com as suas acções próprias.

Recorde-se que o Whitebox, com uma carteira de acções da Cimpor entre um milhão e dois milhões, entrou na cimenteira portuguesa (cujo free-float ronda os 5%), a seguir à OPA da Camargo Corrêa/InterCement Áustria na expectativa de valorização da sua posição. O Whitebox tem a decorrer, actualmente, uma acção contra o grupo brasileiro e a Cimpor por responsabilidade pelo prospecto de emissão da OPA, por alegar omissão do montante de dívida líquida, à volta de 2000 milhões, verba que viria a ser transferido da Camargo Corrêa para a Cimpor.

Nas últimas semanas, têm surgido rumores no mercado, apontando para uma alegada transacção entre a Camargo Corrêa e accionistas minoritários, fundos internacionais e particulares, que não acompanharam a OPA lançada à Cimpor, em Maio de 2012. As informações começaram a circular depois de, a 24 de Junho de 2013, o site espanhol Capital News ter noticiado (com base em fontes do mercado) que um grupo de investidores, com cerca de 600.000 acções da Cimpor, tinha vendido (a 21 de Março de 2013), a um veículo da Camargo Corrêa, os seus títulos a 4,27 euros ou 5 euros por acção, abaixo dos 5,5 euros da OPA.    

A tomada de controlo da Cimpor por parte da Camargo Corrêa, facilitada pela venda da posição detida pela CGD, foi justificada pela actual ministra das Finanças, Maria Luiz Albuquerque, como“a melhor alternativa para a empresa, evitando o desmantelamento que poderia ocorrer noutras situações.” Pouco depois, registou-se uma troca de activos entre a InterCement, que detém mais de 90% dos direitos de voto associados ao capital da empresa portuguesa, e a brasileira Votorantim. No final de 2012, um trabalho da Exame lembrava que aquela que foi a nona maior cimenteira do mundo estavaa ser alvo “de desmembramento, perdendo metade das fábricas, e com os quadros de topo a serem substituídos por altos responsáveis do novo accionista e o centro de decisão a caminho do Brasil”.

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