Bruxelas recua nas regras de “uso justo” mas mantém fim do roaming em 2017

A Comissão retirou a proposta que permitia aos europeus estarem 30 dias seguidos noutro país europeu sem pagar roaming.

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Os líderes das empresas portuguesas já garantiram que são os consumidores nacionais quem vai pagar o fim do roaming Maria João Gala

O roaming vai mesmo acabar em Junho de 2017, mas, para já, e entre a pressão dos operadores, alertas dos reguladores de telecomunicações e queixas dos consumidores, a Comissão Europeia recuou nas regras propostas para o período de tempo em que os europeus poderão manter noutro país da União os mesmos tarifários que contrataram em casa.

“Tendo em conta as primeiras reacções recebidas, o Presidente Jean-Claude Juncker solicitou aos serviços a retirada do texto e a apresentação de uma nova proposta”, revelou o executivo comunitário num comunicado divulgado nesta sexta-feira. A Comissão promete "para breve" a apresentação de um novo documento, mas não diz se vai encurtar, alongar ou pura e simplesmente eliminar os prazos em que os europeus poderão beneficiar do roaming zero nos outros Estados-membros.

Em causa está a proposta da Comissão para a definição daquilo que se chama fair use policy, qualquer coisa como a política de utilização justa, que deve nortear os consumos de telecomunicações dos europeus quando viajam para outro país da UE e garantir que os serviços de roaming não são utilizados para outros fins que não o das deslocações ocasionais.

A proposta inicial da Comissão previa um limite anual de 90 dias, ou 30 dias consecutivos, para o uso de roaming a preços dos tarifários domésticos. A partir desse momento, os operadores passariam a poder cobrar taxas sobre os consumos de voz e dados. A decisão motivou queixas de grupos de consumidores, que protestam contra a imposição de prazos temporais, mas também das empresas.

Espelho do desagrado com que foi recebida a proposta foi a posição divulgada esta semana pela Apritel, a associação que representa os operadores de telecomunicações portugueses. A proposta de Bruxelas “extravasa acentuada e injustificadamente o objectivo para o qual foi prevista: permitir que o viajante ocasional médio possa manter o seu padrão de consumo doméstico quando viaja” na União Europeia (UE), acusou a Apritel.

Considerando-a uma proposta “muito permissiva”, a Apritel queixou-se do facto de contemplar “um número muito elevado de dias” e de não impor “quaisquer restrições em termos de volumes de consumo em roaming a preços domésticos”. Sobre o facto de a proposta ter sido retirada, a Apritel comentou ao PÚBLICO que “a instabilidade da regulamentação  afecta os investimentos e a competitividade das indústrias”.

A associação, tal como a Anacom e o grupo europeu de reguladores, o BEREC, tem manifestado a preocupação com o impacto que a política de roaming zero poderá ter nos diferentes países da Europa. O cenário é mais preocupante para os países do sul, como Portugal, que são grandes receptores de turistas, e que arriscam uma maior sobrecarga nas redes de telecomunicações (em particular nos meses de Verão) e, por conseguinte, maior necessidade de investimento por parte das empresas.

Se os limites de utilização justa impostos por Bruxelas não se traduzirem em taxas que permitam às empresas financiar este tipo de investimentos, o mais provável é que sejam os consumidores domésticos a suportá-los nos preços. Por outro lado, se os portugueses que viajam ficarão favorecidos com o fim do roaming, também é verdade que os portugueses estão entre os cidadãos da UE que menos viajam e que assim se arriscam a vir a subsidiar o fim do roaming para os cidadãos dos países do norte da Europa. No limite pode criar-se uma situação em que “quem não viaja, paga por quem viaja”, conforme já defendeu a presidente da Anacom, Fátima Barros.

Os líderes das empresas portuguesas já garantiram que são os consumidores nacionais quem vai pagar o fim do roaming. Para o presidente da Nos, Miguel Almeida, a medida fará com que os países do Norte possam usar de graça as infra-estruturas que os accionistas das empresas portuguesas pagaram.

O fim do roaming “promove distorções com impacto negativo, nomeadamente nas ofertas dos serviços domésticos que são usados e valorizados pela generalidade da população, ao contrário do que sucede com os serviços de roaming, que no caso de Portugal são utilizados apenas por uma minoria”, queixou-se a Apritel.

Referindo estudos que consideram que apenas 15% dos portugueses passa férias no estrangeiro, a associação que representa a Vodafone, a Nos e o Meo diz que a aplicação da medida irá beneficiar esta reduzida franja da população durante os 5,7 dias em que em média viajam por ano (os cálculos são do BEREC), “gerando prejuízos para os restantes dias e para a restante população”.

Apesar da polémica, o roam like at home que há anos vem sendo defendido por Bruxelas é mesmo para avançar. A Comissão garantiu que vai apresentar em breve uma nova proposta para esta fair use policy (o calendário definido pelas autoridades europeias prevê que esteja definida até 15 de Dezembro), de modo a acabar com o roaming para as viagens periódicas já no próximo Verão.

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