Arrendamento: regresso à solução de inspiração salazarista

Para a esquerda, os fins justificam os meios: é preciso proteger os inquilinos fragilizados, nem que para isso os proprietários sejam forçados a representar o papel da Segurança Social.

O novo pacote legislativo em matéria de arrendamento urbano aprovado pela esquerda no Parlamento mais parece uma (anedótica) narrativa do Woody Allen. Neste filme, o Governo assume a personagem de um simpático “benfeitor” que distribui apoios aos carenciados, mas a verdade é que o faz com o dinheiro dos outros, sem se importar que alguns desses outros sejam, também eles, carenciados.

Dito de outra forma. O Governo congela por mais oito anos as rendas dos inquilinos carenciados e duplica o prazo (dez anos) para aplicar as regras do arrendamento urbano aos idosos e incapacitados, mas quem paga a fatura não é o sorridente “benfeitor”. Quem paga são os senhorios, protagonistas à força neste enredo. E a solução nem é nova. Limita-se a recuperar a velha solução de inspiração salazarista cujos resultados já se conhecem.

Para o Governo, o facto de os inquilinos estarem em situação fragilizada valida automaticamente qualquer medida abusiva. Entenda-se que não está em causa a necessária proteção dos inquilinos mais carenciados. O que está em causa é a quem cabe garantir essa proteção.

Falemos claro: na Reforma do Arrendamento de 2012 foi criado um subsídio de renda a atribuir aos inquilinos idosos e carenciados, que se previa entrar em vigor no final deste ano, após o período de cinco anos de carência deste plano. Terminado o prazo, o Estado assumiria as suas funções sociais. “Assumiria”, mas não quer assumir. Porquê? Porque sai mais barato não pagar esse subsídio e atirar para cima dos senhorios uma das funções sociais do Estado.

Para a esquerda, os fins justificam os meios: é preciso proteger os inquilinos fragilizados, nem que para isso os proprietários sejam forçados a representar o papel da Segurança Social. Parece que voltámos ao PREC, em que tudo era lícito, até o roubo da propriedade privada.

O problema é que a proteção aos inquilinos idosos e debilitados — com que todos partidos concordam — pode e deve ser feita pelas mãos do próprio Estado, e não por imposição do Estado.

Se a solução já existia na lei, não era preciso inventar nada nem prejudicar mais pessoas. Sobretudo muitos senhorios, que só têm nas rendas o seu único sustento. Alguém se lembrou que muitos senhorios vivem, também, uma situação muito fragilizada e têm na renda a única fonte de rendimento para uma “velhice” condigna?

É caso para lembrar as palavras do próprio Woody Allen: "A vocação de um político de carreira é fazer de cada solução um problema." Felizmente, há exceções que confirmam a regra.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

 

 

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