A Grécia, os juros e as “estórias” da Carochinha…

A Grécia, como referi no último post, beneficia de três programas de resgate com empréstimos de instituições oficiais europeias e do FMI: 2010, empréstimo no valor de 110 mil milhões de euros; em Março e Novembro de 2012 (processo iniciado em 2011), reestruturação de dívida ao sector privado e ao oficial, com redução das taxas de juro, aumento de maturidades dos empréstimos ao sector oficial e o deferimento dos juros a pagar pelos empréstimos durante 10 anos; em Agosto de 2015, novo empréstimo até 86 mil milhões de euros, após o volte face do Syriza face às exigências europeias.

A primeira proposta de reestruturação de 2011, preparada pelo privado Institute International of Finance e aprovada pelo Conselho da União Europeia em Julho de 2011, previa uma redução de 20% de 135 mil milhões de euros de dívida grega detida pelo sector privado. A operação foi desenhada de forma que a redução do valor presente da dívida era na prática inexistente. Isto é, não havia reestruturação. Só os credores beneficiavam da reestruturação, uma vez que substituíam aquela dívida por dívida que beneficiava do apoio de outros países do euro.

Após críticas, entre as quais a minha, a proposta de reestruturação da dívida de 2011, aprovada pelo Conselho, foi “metida na gaveta” (sem ser revogada, num faux pas que as autoridades europeias fingiram ignorar).É surpreendente que o Conselho da UE tenha tomado tal decisão sem que do processo tenham resultado consequências. Tanto mais que as perdas que resultariam daquela proposta de reestruturação, não seriam assumidas pelos contribuintes gregos mas pelos dos países europeus que financiam a Grécia e a impedem que entre em incumprimento.  

Abandonada essa proposta é finalmente realizada uma reestruturação de dívida, em Fevereiro de 2012, com base num artigo científico de Buchheit e Gulati de 2010, onde se defende que a reestruturação da dívida poderia ser implementada num mês, bastando alterações à lei grega. Para os autores, a reestruturação de dívida ou, pelo menos, de parte da dívida titulada, desde que fosse regida por lei grega, não constituiria um incumprimento, pois seria feita através da alteração da lei, da mesma forma que a redenominação da dívida pública em moedas nacionais para o euro não é um incumprimento.

A reestruturação da dívida de 2012, resultou numa redução da dívida da Grécia a investidores privados de entre 100 e 120 mil milhões de euros, correspondendo entre 50% a 60% da dívida grega ao sector privado que foi sujeita à oferta de reestruturação. Incompreensivelmente, depois desta redução, a dívida da Grécia sobe rapidamente, em resultado de fundos que são disponibilizados para garantias aos empréstimos europeus e para recapitalização da banca.

A estratégia das autoridades europeias tem sido empurrar o problema para a frente, criando nuances e condições específicas ao financiamento à Grécia.

Em 2015, a taxa de juro implícita média da dívida pública grega era de 2,0%, i.e., muito inferior à taxa de juro implícita média da dívida pública portuguesa (~3,5%). Mas esse é um número enganador. O pagamento dos juros dos empréstimos da FEEF e do MEE foi diferido até 2022. Embora o propósito do diferimento dos juros seja ajudar a Grécia, um efeito colateral parece ser o risco de confundir a opinião pública sobre o real desempenho orçamental da Grécia.

A taxa de juro do empréstimo é flutuante, i.e., varia ao longo do tempo, recaindo sobre esses juros cujo pagamento é diferido uma taxa de juro adicional de 1,5% até 2040, de acordo com o FMI. Terá interesse saber como são contabilizados pelo Eurostat esses juros diferidos. Uma questão a aprofundar …

 

 

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