A água em contexto de escassez

A gestão da água no contexto da escassez que se prevê não é discutível nos objetivos que se pretendem atingir.

Este é um ano de seca extrema e, tanto quanto parece, os próximos três meses não são de bom augúrio. Mas não é a primeira vez que a meteorologia não nos favorece. Assim foi em 2004-2005 e não sabemos se os anos hidrológicos desfavoráveis, no futuro, nos venham a conceder um período de “descanso” de cerca de 12 anos, como agora.

A APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas), com a independência própria de quem defende os interesses das entidades gestoras de água, mas, em última instância, dos cidadãos que a consomem e utilizam, tem estado naturalmente atenta ao evoluir da situação que, por enquanto, tem atingido com maior intensidade o setor agrícola a sul do Tejo, mas também o interior centro-sul.

Não houve ainda casos de falta de água para consumo humano que constituam, para já, motivo de grande alarme; no entanto, nada nos garante que não venham a existir no curto prazo, se as previsões para os próximos meses se concretizarem.

Saudamos, naturalmente, os muitos esforços que têm sido feitos pelo senhor ministro do Ambiente e pelo senhor secretário de Estado do Ambiente no sentido de minimizar os danos, alguns já irreversíveis, no setor agrícola, mas entendemos que a escassez frequente que nos espera no contexto das alterações climáticas exige que todos — Governo, autoridades da tutela, autarquias locais e cidadãos, assim como todas as atividades económicas que utilizam de forma mais ou menos intensiva o recurso água — se envolvam seriamente no problema, sob pena de sermos todos perdedores.

Temos convivido um tanto teoricamente com a perspetiva das alterações do clima a nível planetário. A situação que este ano se vive no sul da Europa e, no que mais nos interessa, em Portugal e Espanha, vem colocar o tema dos fenómenos extremos, quer de escassez, quer de excesso de pluviosidade (que caracterizam as alterações climáticas), em cima da mesa, de uma forma intensa e urgente.

Recentrando a atenção no nosso território, verifica-se que bastante mais do que uma centena de municípios portugueses (tanto no litoral como no interior) dependem de captações de água precárias e incompatíveis com anos hidrológicos muito adversos. Se o próximo inverno nos não trouxer água como a primavera nos traz habitualmente flores, muitas dessas origens de água estarão exauridas e a situação será de calamidade... que se não resolverá com investimentos, que exigem tempo para concretizar. Tempo que poderemos não vir a ter. 

Minimizar esse risco passaria pela partilha intermunicipal do recurso água entre aqueles a quem sobra e aqueles a quem poderá dramaticamente faltar. Parece-nos legítimo temer que isso venha a acontecer tarde e de forma atabalhoada, por consequência das dificuldades, que subsistem, em mobilizar de forma célere os atores locais, cujas razões atuais não terão nenhum valor num cenário de catástrofe. Habituámo-nos a conviver com uma disponibilidade de recursos hídricos, se não confortável, pelo menos suficiente em todos os setores (passe o exagero). 

No setor agrícola temos um pouco de tudo. Explorações com alta tecnologia e grande eficiência na rega e regadios com esbanjamento inadmissível. A agricultura utiliza cerca de 80% da água doce que consumimos e daí a importância deste setor. Importa generalizar a eficiência e disciplinar o uso do recurso, sob pena de — de uma forma mais simples — pagarmos todos os prejuízos a que fomos alheios, se nos faltarem os apoios externos, a que também nos habituámos, mas que serão progressivamente mais difíceis de obter.

A indústria será responsável por cerca de 10% na utilização do recurso água. Não temos dados que nos permitam avaliar da sua eficiência no que respeita a esta questão. Desejamos, no entanto, e estamos em crer que as autoridades regionais, mais ou menos moribundas, façam diligentemente o controlo dos seus consumos, mesmo quando as captações e contadores estão devidamente protegidas com muros e arame farpado, para evitar intrusões, não das autoridades tutelares, mas de cidadãos menos recomendáveis...

Desejamos que este seja um ano hidrológico de exceção e que as alterações climáticas ocorram a um ritmo que nos permita adaptarmo-nos aos tempos difíceis que afetarão intensamente toda a bacia mediterrânica. Se assim não for, e se esta questão não envolver e interessar a todos, governos, autoridades tutelares, autarquias, atividades económicas e cidadãos, não chegarão os grandes esforços do senhor ministro do Ambiente e do senhor secretário de Estado do Ambiente.

É que podemos discutir os caminhos da economia e a solidez da União Europeia e até divergir muito nestes assuntos, mas a gestão da água no contexto da escassez que se prevê não é discutível nos objetivos que se pretendem atingir. E todos terão de dar o seu contributo, no que a cada um competir.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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