Teatro Experimental de Cascais faz hoje 40 anos

Foto
DR

A actriz Cândida Lacerda entregou o guarda-roupa, feito à base de serapilheiras, mesmo em cima da hora. Mais um contra-tempo a aumentar o já crítico estado de ansiedade do grupo de jovens de que faziam parte João Vasco, Maria do Céu Guerra, Zita Duarte e Carlos Avilez, que nessa noite estreavam a peça Esopaida, de António José Silva, no teatro Gil Vicente, em Cascais, perante uma plateia que incluía o rei de Itália e o conde de Barcelona. O espectáculo foi um êxito e já ia longa a madrugada quando toda a equipa entrou no restaurante Castro, na zona da lota, para cear.

Foi assim que a 13 de Novembro de 1965 nasceu o Teatro Experimental de Cascais (TEC), uma das companhias que ao longo de décadas marcou a produção teatral portuguesa. O encenador Jorge Silva Melo, que acompanhou de perto todo este percurso, diz que o TEC significou "a descoberta de um repertório esquecido". "Que coisa mais extraordinária do que começar uma companhia com essa obra-prima que é a Esopaida do Judeu - que ninguém fazia! E ver a Zita Duarte foi uma surpresa indizível: ninguém representava com aquela ironia e melancolia", afirma, entusiasmado.

Quarenta anos depois o TEC estreia na próxima sexta-feira O Vento nas Ramas do Sassafraz, de René Obaldia, uma peça traduzida por Natália Correia e encenada por Carlos Avilez, que festeja a vida de uma companhia por onde já passaram alguns dos grandes actores portugueses. Nomes como Mário Viegas, Diogo Infante ou Alexandra Lencastre tiveram aí as suas primeiras experiências profissionais, mas também outros, como Amélia Rey Colaço (na única vez em que saiu do D. Maria II) e Eunice Muñoz, que em 1968 contracenaram em Fedra.

O teatro e a censura

O percurso do TEC confunde-se inevitavelmente com o de Carlos Avilez. Em 1965, ensaiava a Esopaida na Sociedade Guilherme Cossoul, em Lisboa, quando o amigo João Vasco lhe fala de um teatro desocupado em Cascais, o Gil Vicente. Pouco tempo depois nasce o TEC, que se torna, no ano seguinte, a primeira companhia profissional a trabalhar fora de Lisboa e do Porto. "A ideia de ir para Cascais também tinha a ver com o facto de os movimentos artísticos na Europa estarem a acontecer fora das grandes cidades, mas na altura foi insólito, porque Cascais era longíssimo!", conta o fundador e actual director da companhia.

Em pleno Estado Novo e com uma guerra colonial em crescendo, os problemas com a censura marcavam o dia-a-dia, até que a partir de 1970 o TEC fica definitivamente proibido de levar espectáculos para fora de Cascais.

A actriz Glicínia Quartin, que em 1966 protagonizou no TEC A Maluquinha de Arroios, de André Brun, num espectáculo que esgotou sucessivas salas por todo o país, diz que não foi fácil convencer a censura a aprovar a encenação d" As Criadas, de Jean Genet: "Esta peça foi uma ideia minha, mas estive quase dois anos à espera que a censura deixasse fazer. Tive de mexer os cordelinhos." Ainda assim, no ensaio-geral, assistiram doze homens do lápis azul.

Lia Gama colaborou pela primeira vez com a companhia em 1967, ao interpretar várias personagens no premiado D. Quixote, de Yves Jamiaque, que reiterou a vocação da companhia para a adaptação de textos estrangeiros. "As peças do Avilez foram sempre muito polémicas, porque rompiam com o teatro que se fazia na época, um bocado convencional", diz a actriz, que fala de Carlos Avilez como "o primeiro encenador-vedeta, muito vivo, muito interessante". Opinião partilhada por Diogo Infante, que em 1989 se estreia profissionalmente na peça A Morte de Danton, de Büchner, também no TEC: "A sua persona imprime um cunho pessoal às peças; ele sabe muito sobre carpintaria de palco, sabe fazer crescer o espectáculo até agarrar o público e é muito eclético nas peças que escolhe."

De toda a variedade de peças que o TEC já encenou, grande parte das quais por Avilez, há dois autores que o director faz questão de destacar, até porque eram proibidos antes do 25 de Abril: "Já fiz cinco peças de Genet e todas as de Gombrowicz." E o próximo projecto já está traçado: Henrique VIII, de Shakespeare, que nunca foi encenado em Portugal. Mas as atenções principais estão voltadas para as futuras instalações da companhia (agora no Teatro Municipal Mirita Casimiro), um edifício que a câmara de Cascais está a construir na Quinta da Alagoa, em Carcavelos, e para onde também se vão mudar a Escola de Teatro do TEC e o Espaço Memória. A mudança será em 2007, quando Carlos Avilez completar cinquenta anos de carreira.

O Vento nas Ramas do Sassafraz

Texto de René Obaldia (tradução de Natália Correia). Encenação de Carlos Avilez. Pelo Teatro Experimental de Cascais.

CASCAIS Teatro Municipal Mirita Casimiro. Av. Marechal Carmona. Tel.: 214867933. Estreia 6ª, às 21h30. Bilhetes a 10 euros.

Sugerir correcção
Comentar