Suite teatral para a pintura de Graça Morais

As mulheres na obra da artista transmontana e a crise dos migrantes que procuram a Europa são os temas da nova produção do Teatro da Garagem, que agora chega ao Porto.

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FERNANDO VELUDO/NFACTOS
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Se, no teatro, não há dois espectáculos iguais, a experiência que o Teatro da Garagem vai agora viver no seu regresso a um palco do Porto não fugirá à regra. Depois da estreia em Bragança, em Abril do ano passado, e da passagem pela sua casa em Lisboa, o Teatro Taborda, em Novembro, Graça. Suite teatral em três movimentos apresenta-se a partir desta sexta-feira no Teatro Carlos Alberto (TeCA), onde vai ficar em cena até 20 de Fevereiro.

“Correu muito bem. Tanto em Bragança como em Lisboa, as pessoas gostaram e ficaram muito agarradas, até porque este é um espectáculo extraordinariamente político”, diz o encenador Carlos J. Pessoa num intervalo do primeiro ensaio técnico no TeCA.

Especialmente centrado na pintura (e na figura) de Graça Morais, esta “suite teatral” ganha a premente actualidade de que fala o encenador ao relacionar as cores e as sombras luminosas da obra da pintora transmontana com o drama actual das migrações e da incapacidade que a Europa tem manifestado em lidar com o problema.

Dividido em três actos, ou segmentos, o espectáculo parte da exploração dos sentidos que é manifesta na pintura de Graça Morais e termina com uma visita à própria artista no seu atelier de Lisboa. Pelo meio, a cena abre-se e como que explode em cores vivas perfazendo “a caminhada do medo”, título de uma série da pintora que inspirou um texto visionário de Antonio Tabucchi (1943-2012) sobre o fluxo das migrações contemporâneas na Europa, O Fim do Mito: Breve auto sobre um quadro de Graça Morais.

“Foi um dos últimos textos que Tabucchi escreveu, a partir da experiência que viveu em Lampedusa, e foi extraordinariamente premonitório; ele adivinhou o descalabro que aí vinha”, nota Carlos J. Pessoa, justificando a “pintura cosmogónica” que surge como cenário para o texto do escritor italiano, no segundo acto da peça.

Os diários de Graça Morais e textos do próprio encenador completam a dramaturgia desta produção do Teatro da Garagem, que prende também o espectador por uma cuidada utilização das novas tecnologias, quase se diria teatro entre o cinema e a pintura. “É extraordinariamente difícil encenar a pintura; são horas e horas até encontrar a textura certa e, no final, nunca está bem”, diz Carlos J. Pessoa, assumindo que a sua visão do teatro é subsidiária tanto da pintura como do cinema. “Quando me perguntam quem foram os encenadores que mais me marcaram, digo que as minhas influências vêm dos pintores, mas também da fotografia e do cinema, mais do que do teatro no sentido mais canónico do termo."

É por esta razão que o Teatro da Garagem explora até ao limite as potencialidades das novas tecnologias, até pelo facto de o seu encenador achar que “a revolução digital e o acesso aos novos dispositivos devolveram ao teatro uma centralidade que ele tinha perdido com o advento da fotografia e do cinema”. E Carlos J. Pessoa cita mesmo David W. Griffith que, sobre O Lírio Quebrado (1919), um filme mítico deste pioneiro da 7.ª Arte, reivindicou a necessidade de “quase sentir o cheiro da luz”. “Esta coisa também é extremamente teatral: procurar o cheiro da luz”, acrescenta o encenador, manifestando a expectativa de que o espectador de Graça. Suite teatral em três movimentos atinja essa emoção, por exemplo na sequência em que sobre o pano de fundo do palco transformado em ecrã vão desfilando os rostos das mulheres de Graça Morais.

Coprodução do Teatro da Garagem com o Teatro Municipal de Bragança – estrutura com que a companhia de Carlos J. Pessoa tem uma cumplicidade de trabalho desde há cerca de década e meia – e o Teatro Nacional São João, Graça. Suite teatral em três movimentos faz-se acompanhar no TeCA por três pinturas da artista, representando a mulher e a violência a que ela se encontra sujeita num mundo dominado pelo homem.

O espectáculo é agora apresentado no Porto no âmbito do programa O Teatro da Garagem x 2; segue-se a Finge, também com texto e encenação de Carlos J. Pessoa, que esteve em cena no Mosteiro de São Bento da Vitória na primeira semana de Fevereiro.

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