Sarah Howe: a revelação de uma voz que “vai mudar a poesia inglesa”

Loop of Jade, o primeiro livro de poemas de Sarah Howe, uma autora anglo-chinesa de 32 anos nascida em Hong Kong, ganhou esta segunda-feira o prestigiado prémio T. S. Eliot.

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Uma escritora anglo-chinesa de 32 anos, Sarah Howe, venceu o prémio T. S. Eliot, atribuído anualmente ao melhor livro de poemas publicado no Reino Unido ou na República da Irlanda, com uma obra de estreia, Loop of Jade, batendo rivais tão consagrados como Don Paterson, Sean O’Brien ou Les Murray. Desde a instituição do prémio, em 1993, nunca um primeiro livro fora escolhido.

Mas ainda mais impressionante do que esta façanha é o grau hiperbólico a que chegaram os elogios do júri. Na cerimónia de atribuição do prémio, que decorreu esta segunda-feira à noite em Londres, no Victoria and Albert Museum, a presidente do júri, a poetisa Pascale Petit, não só considerou o livro “absolutamente espantoso”, como profetizou que as experiências formais da autora vão “mudar a poesia inglesa”.  

Nascida em Hong Kong de pai inglês e mãe chinesa, Howe mudou-se ainda criança para o Reino Unido, e a questão das identidades culturais cruzadas é um dos temas fortes deste seu primeiro livro, que transita com naturalidade da mais elaborada versificação a uma não menos conseguida prosa poética, dizem os críticos.

Na verdade, Howe já publicara antes um pequeno opúsculo poético em 2009, A Certain Chinese Encyclopedia, que dialoga com um texto de Jorge Luis Borges, do livro Novas Inquirições, em que este atribui a um suposto Dr. Franz Kuhn o conhecimento de “uma certa enciclopédia chinesa” na qual se encontraria uma classificação dos animais em 14 improváveis categorias, a começar por aqueles que pertencem ao imperador e a terminar nos que, vistos ao longe, se parecem com moscas.

Mas é com Loop of Jade que Sarah Howe é directamente catapultada para a primeira linha da poesia inglesa actual. O livro já vencera o prémio Jovem Autor do Ano do Sunday Times, atribuído a escritores com menos de 35 anos, e chegara à short list do prestigiado prémio Forward. O T. S. Eliot, no valor de 20 mil libras (cerca de 26,5 mil euros), dá-lhe agora entrada num clube restrito, que inclui poetas como Don Paterson (um dos candidatos deste ano), Ted Hughes, Hugo Williams, Anne Carson, o Nobel da Literatura Seamus Heaney ou David Harsent, o vencedor de 2014.

Em Outubro passado, Sarah Howe tivera ainda a honra de ver um poema seu – Relativity – ser lido pelo físico e cosmólogo Stephen Hawkins, na sua voz processada por computador, durante o National Poetry Day, uma campanha anual destinada a promover a leitura de poesia.

Loop of Jade é também um regresso às raízes orientais da autora e inclui uma comovente evocação da sua mãe, uma dessas inúmeras meninas abandonadas à nascença nos anos da política chinesa do filho único. Ao mesmo tempo que se coloca na perspectiva da mãe para descrever a sua infância traumática, Howe confessa, numa passagem do mesmo poema, que ela própria não consegue usar com naturalidade a palavra “mãe”, salvo num departamento de emigração, ou falando com estranhos, ou dentro dos limites de um poema.

Formada pela Universidade de Cambridge, onde deu aulas de literatura da Renascença, a sua especialidade académica, Howe é também fundadora e editora de um jornal on-line de poesia e crítica, Prac Crit.

“As pessoas vão achar acessível” este Loop of Jade, acredita Pascale Petit, acrescentando embora que o livro exige releituras. “Esse é um dos seus pontos fortes: não importa quantas vezes se lê, tem sempre mais a dar”. A presidente do júri, que incluiu ainda os poetas Kei Miller and Ahren Warner, considera “extraordinário que este seja o primeiro livro” de Sarah Howe, e sublinha “o modo selvagem" como a sua poesia "joga com a forma", ao mesmo tempo que "lida com temas muito específicos e difíceis", relativos a "uma cultura que raramente se vê na poesia inglesa”.

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