É oficial: Cuba está numa relação com os Rolling Stones

Esperam-se 500 mil pessoas no histórico concerto desta sexta-feira, o maior de sempre na ilha de Fidel Castro.

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Os fãs cubanos dos Rolling Stones correm para garantir um lugar nas primeiras filas do concerto REUTERS/Ueslei Marcelino
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O palco instalado na Ciudad Deportiva de la Habana AFP PHOTO / RODRIGO ARANGUA
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Mick Jagger na conferência de imprensa dada após a chegada a Cuba REUTERS/Ivan Alvarado
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Os admiradores dos Rolling Stones poderão por fim ver a banda cuja carreira conta cinco décadas REUTERS/Ueslei Marcelino
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Os admiradores dos Rolling Stones poderão por fim ver a banda cuja carreira conta cinco décadas REUTERS/Ueslei Marcelino
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Os admiradores dos Rolling Stones poderão por fim ver a banda cuja carreira conta cinco décadas REUTERS/Ueslei Marcelino
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O famoso logótipo dos Rolling Stones tornou-se presença habitual em Havana nos últimos dias REUTERS/Alexandre Meneghini
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O público acampa no exterior da Ciudad Deportiva, aguardando a abertura das portas para a entrada no recinto REUTERS/Ueslei Marcelino
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O público aguarda no exterior da Ciudad Deportiva, aguardando a abertura das portas para a entrada no recinto REUTERS/Ueslei Marcelino

A História continua a fazer-se a uma velocidade superior ao normal em Cuba, nesta semana que começou com a visita oficial de Barack Obamao primeiro Presidente norte-americano a pisar a ilha desde que, numa galáxia já muito distante, Calvin Coolidge ali esteve em 1928, e que esta sexta-feira acaba com os Rolling Stones a darem aquele que deverá ser o maior concerto de sempre no país, com uma audiência esperada de meio milhão de pessoas, segundo a AFP.

A banda de Mick Jagger, Keith Richards, Ronnie Wood e Charlie Watts aterrou no aeroporto José Martí na tarde de quinta-feira — todos, à excepção de Watts, saíram do avião da Miami Air de óculos escuros, numa photo opportunity que ficará para a posteridade e que a banda se apressou a difundir, em castelhano ("¡Hola Cuba!"), via redes sociais.

É, em certo sentido, o fim de outro embargo, num país em que o rock, considerado muito mais perigosamente imperialista do que a Coca-cola ("a música do inimigo, a linguagem do inimigo", ter-lhe-á chamado Fidel Castro), esteve oficialmente proibido entre 1961 e 1965 e continuou a ser ostensivamente desqualificado nas décadas que se seguiram. O concerto-surpresa anunciado no início de Março (a data de Havana não estava inicialmente prevista no alinhamento da Latina Olé Tour) "liquida a dívida da Revolução com o rock", diz o enviado especial do El País a Cuba, e testemunha ocular da febre Rolling Stones que parece ter-se apossado do país nos últimos dias, Pablo de Llano. É ele que nos apresenta, encostado à vedação do recinto onde a actuação terá lugar, o rapaz de 22 anos que ali acampou às 10h da manhã de quarta-feira disposto a defender com unhas, dentes, bolachas e dez litros de água a disputadíssima pole position para este concerto que ainda não aconteceu mas já é histórico: "A única coisa que não gostaria que me acontecesse é ficar surdo, mas pela emoção de estar o mais perto possível dos Rolling Stones estou disposto a perder um pouco de audição", disse ao diário espanhol.

O rock'n'roll fez-se ouvir em Cuba nos últimos tempos e há edições que o comprovam, como o DVD Live in Cuba (2005), dos americanos Audioslave, ou o álbum ao vivo Louder than War, dos galeses Manic Street Preaches, editado em 2001 e que regista o primeiro concerto na ilha caribenha de uma banda rock do Ocidente  o título é uma referência à frase proferida por Fidel Castro quando a banda o avisou de que o concerto seria muito ruidoso: "Não pode ser mais barulhento do que a guerra, pois não?", perguntou Fidel. Ainda assim, nenhuma dessas actuações tem o impacto, simbolicamente e em dimensão, daquilo a que se assistirá agora. 

A partir das 20h30 desta sexta-feira, hora local (0h30 em Portugal), deverá concentrar-se à frente do palco, montado não muito longe do centro de Havana, na Ciudad Deportiva, a maior assistência de sempre num concerto em solo cubano (a entrada, assinale-se, é gratuita). Ao início da tarde, conta a AFP, já eram milhares os espectadores que aguardavam a abertura de portas do recinto (a maioria de meia idade, relata a agência, muitos já sob o efeito de quantidades bastante admiráveis de rum). "Nós, os cubanos, vamos alucinar. Não vai ser preciso sequer esperar pelo primeiro acorde para dar conta disso. Bastarão as primeiras luzes para as pessoas ficarem completamente loucas, porque nunca na vida se viu neste país um espectáculo como este", assegurava, também ao El País, o cineasta e "velho rocker" de Havana Eduardo del Llano, acompanhado do guitarrista Dagoberto Pedraja, que ainda se lembra dos insultos com que nos anos 70, já perfeitamente institucionalizada a Revolução, era habitual enxovalharem-no em pleno Malecón: "Maricas, pró-ianque e até um curioso termo que se inventou aqui: 'diversionista' ideológico."

Colaboracionismo?

Aconteça o que acontecer esta sexta-feira na Ciudad Deportiva, o concerto que os Rolling Stones — uma das bandas mais ricas do planeta, verdadeira empresa capitalista à escala global — quiseram oferecer a Cuba, com o patrocínio de um empresário do Curaçao, será visto como mais uma etapa crucial do degelo das relações entre o regime de Fidel Castro e o resto do mundo. O enviado especial do Guardian, Jonathan Watts, enfatiza o significado político do concerto, argumentando que é de certa forma o corolário de um aggiornamento (palavras nossas) iniciado há meio ano com a digressão do Papa Francisco pelo país e acelerado pela visita oficial de Obama no início desta semana e que "fortalece os esforços para encerrar um dos últimos conflitos do planeta que ainda restam da Guerra Fria".

Para a geração que ainda tem memória da guerra não tão fria assim que Cuba declarou ao rock (e de que os Rolling Stones, cujo primeiro álbum foi lançado apenas três anos depois da invasão da Baía dos Porcos e dois anos depois da Crise dos Misséis e da imposição do embargo norte-americano, foram vítimas colaterais), é a reparação de uma injustiça, a compensação devida a toda a uma geração forçada a manter dentro do armário a sua relação com o rock. Mas também há quem acuse a banda de Mick Jagger de desrespeitar todos os artistas cubanos que o regime impede de se exprimirem livremente, como Gorki Águila, vocalista da banda punk Porno para Ricardo: "Os nossos tiranos estão a tentar vender a imagem de Cuba como uma ilha de gente feliz. Se os Rolling Stones não falam do que se passa aqui em termos de violações dos direitos humanos, então estão indirectamente a colaborar com a tirania cubana", disse ao Guardian

Apesar das críticas aos Rolling Stones, Águila só não estará no concerto se for impedido pelas autoridades cubanas, que o mantêm sob vigilância devido às letras bastante explicitamente anti-regime dos Porno para Ricardo. 

De acordo com o relato do jornal francês Libération, o concerto também estará a atrair uma quantidade considerável de turistas estrangeiros, que deambulam por Havana "com t-shirts de gosto duvidoso em que os lábios de Mick Jagger prendem um charuto com as cores da bandeira cubana". Para eles, o palco de 80 metros de largura com sete ecrãs gigantes que os Rolling Stones mandaram montar no complexo desportivo inaugurado em 1959 não é a visão extraterrestre que parece ser para os cubanos — uma parte do volumoso equipamento (que foi transportado para Cuba em 61 contentores e um Boeing 747) deverá, aliás, ficar no país, por imposição do Instituto Cubano de la Música, que conduziu as negociações para a realização do concerto.

É portanto oficial que Cuba está numa relação com os Rolling Stones — e a vários níveis.

Com Mário Lopes

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