Comissão Europeia acusada de ceder à indústria na regulação de substância cancerígena

Após a partilha com o lobby da indústria alimentar do rascunho de um documento para a regulação da acrilamida, substância potencialmente cancerígena, a referência aos valores máximos tolerados foi retirada do rascunho seguinte elaborado pela Comissão Europeia

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A acrilamida encontra-se em produtos alimentares à base de amido, como os cereais para o pequeno-almoço Pedro Cunha

A acrilamida é potencialmente cancerígena e a discussão em volta da real perigosidade da substância acontece há muito. Nos últimos meses, a Comissão Europeia preparava legislação para regulamentar os níveis de acrilamida presentes na alimentação. Porém, activistas dos direitos dos consumidores europeus que tiveram acesso ao documento, ainda por publicar, denunciaram que a Comissão Europeia cedeu perante o lobby da indústria alimentar, retirando do texto final a indicação de um valor de referência e, assim sendo, tornando a regulamentação ineficaz.

A acrilamida é um composto químico gerado naturalmente e prejudicial à saúde. Encontra-se nas zonas queimadas ou tostadas de produtos alimentares à base de amido que tenham sido fritos, assados ou cozidos a temperaturas superiores a 248 graus Celsius (falamos de batatas fritas, cereais, produtos para bebés, biscoitos ou café instantâneo, entre outros). Foi considerada uma substância extremamente perigosa pela Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos e, no ano passado, refere o Guardian (que avançou com a notícia da fuga dos documentos da Comissão Europeia), a EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) considerou que a acrilamida “aumenta potencialmente os riscos de contrair cancro em consumidores de todas as idades”.

Tendo em conta que “qualquer nível de exposição a uma substância genotóxica” pode conduzir à danificação do DNA e provocar o aparecimento de células cancerígenas, a EFSA defende que não é possível definir “um dose diária tolerável de acrilamida na alimentação”. O controle dos níveis de acrilamida é possível através de uma série de práticas, como a utilização de diferentes aditivos e ingredientes, que têm repercussões no custo e no sabor dos produtos comercializados.

Segundo divulga o Guardian, a Comissão Europeia preparava-se para legislar a obrigação de a indústria alimentar proceder a testes regulares dos seus produtos, de forma a manter os níveis de acrilamida “tão baixos quanto possível de forma razoável e, pelo menos, abaixo dos níveis indicativos referidos no Anexo 3” – isto o que estava escrito em Julho numa versão do documento regulador a que o jornal britânico teve acesso. É precisamente o desaparecimento dessa nota nos documentos agora revelados que está a provocar os protestos dos activistas dos direitos dos consumidores europeus.

Um primeiro rascunho foi partilhado com uma associação da indústria alimentar, a Food Drink Europe, e, poucos dias depois, a referência a valores indicativos desaparecia de um segundo rascunho do documento. Martin Pigeon, da Corporate Europe Observatory, um grupo de denúncia que defende a transparência nas instituições da UE, afirmou estar-se perante mais um caso em que se atingem regulações sem efeitos práticos, consequência, defende, de ser dada à indústria demasiada influência sobre a regulação do seu próprio funcionamento. “O hábito endémico na Comissão Europeia de partilhar secretamente rascunhos de documentos regulatórios com grupos de lobby da indústria, meses antes de serem conhecidos publicamente, é um escândalo permanente a que tem de ser posto um fim”, declarou.

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