O Chega “nunca fez um discurso contra imigrantes”? Dez exemplos em contrário

No debate desta terça-feira para as europeias, o candidato do Chega afirmou que o partido “nunca fez um discurso contra os imigrantes”. Pelo menos dez momentos mostram o contrário.

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O presidente do Chega, André Ventura, em campanha eleitoral para as europeias Gregório Cunha/Lusa
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A frase

“[O Chega] nunca fez um discurso contra os imigrantes. Está errado. Não queremos é imigração de portas abertas, escancaradas" — António Tânger Corrêa, cabeça de lista do Chega para as eleições europeias.

O contexto

Na noite desta terça-feira, os cabeças de lista do PS (Marta Temido), AD (Sebastião Bugalho), CDU (João Oliveira) e Chega (António Tânger Corrêa), encontraram-se para o penúltimo debate a quatro para as eleições europeias, transmitido pela RTP. A imigração foi um dos temas quentes, com Tânger Corrêa a vincar a posição do partido: "Somos contra o pacto migratório, que impõe soluções atacando a soberania de cada país." O candidato do Chega defendeu que os Estados devem decidir sozinhos como responder às vagas migratórias.

No final da sua intervenção, o candidato comunista João Oliveira apontou contradições entre o discurso do adversário político e as posições anti-imigração assumidas pelo Chega ao longo dos anos. “[O Chega] nunca fez um discurso contra os imigrantes. Está errado. Não queremos é imigração de portas abertas, escancaradas", respondeu Tânger Corrêa.

Os factos, em dez momentos

Contrariando o que afirma Tânger Corrêa, abundam os exemplos de um discurso anti-imigrantes promovido por André Ventura e outros dirigentes do Chega.

1. Há vários anos que o líder do Chega alerta para a alegada "substituição demográfica" em curso na Europa, uma teoria da conspiração que postula que está a ser operada uma substituição da população europeia por imigrantes de outras geografias — apesar de, em 2019, os imigrantes de outros continentes representarem apenas 4,4% da população da UE. Em Outubro de 2021, André Ventura argumentou, na Assembleia da República: “Podemos dar as voltas que quisermos: há um problema estrutural que se chama substituição demográfica. A verdade é só uma: a União Europeia tem vindo a ser substituída demograficamente por filhos de imigrantes. Ninguém quer que, daqui a 30 ou 40 anos, a UE seja composta por indivíduos vindos de qualquer outro continente menos deste nosso que é o continente europeu!”

2. Em 2021, o Tribunal Cível de Lisboa exigiu a André Ventura uma retractação pública por ter chamado “bandidos” à família Coxi, residente no bairro da Jamaica, que partiu há décadas de Angola para Portugal. “Não tenho medo de ser politicamente incorrecto, de lhes chamar os nomes que têm de ser chamados e dizer o que tem de ser dito”, afirmou o líder do Chega, num debate com Marcelo Rebelo de Sousa, em Janeiro de 2021. Acusou ainda a família de ter imigrado “para Portugal para beneficiar única e exclusivamente daquilo que é o Estado Social e daquilo que o Estado lhes pode dar”.

3. Há pouco mais de um ano, André Ventura usou o ataque ao Centro Ismaili, em Lisboa, em que um cidadão de nacionalidade afegã matou duas mulheres, para fazer generalizações sobre a comunidade a que pertence o agressor, insistir na associação entre imigração e violência e para dizer, exaltando o próprio partido: “Nós avisámos”. “Os portugueses não podem ser sujeitos a um tipo de violência que não conseguem controlar nem conter. (...) Quem são estas centenas ou milhares de afegãos que chegaram a Portugal? Que controlo foi feito? (...) Seja ou não terrorismo, foi a política de bandalheira, de portas abertas, de nenhum controlo — sobre a qual avisámos, durante anos — que se traduziu neste resultado.”

4. Na VI Convenção Nacional do Chega, em Janeiro deste ano, o deputado Filipe Melo manteve na mira os imigrantes. Acusou-os de “virem beneficiar da Segurança Social que os nossos pais e avós pagaram anos e anos” (o Relatório Estatístico Anual de 2023 sobre Indicadores de Integração de Imigrantes desmente-o); e relacionou o “caos no SNS” aos imigrantes, sem dados que suportem a alegação.

5. Em campanha eleitoral para as últimas legislativas, o Chega propôs: quotas anuais para imigrantes, assentes “nas mais-valias que possam trazer a Portugal”; acabar com o regime especial de vistos da CPLP; criar o crime de residência ilegal. Sugeriu o repatriamento forçado de quem, durante 6 a 12 meses, “não demonstre capacidade de auto-subsistência” e a limitação de apoios sociais apenas aos estrangeiros que tenham feito cinco ou mais anos de contribuições. O programa eleitoral do partido denunciava ainda a imigração que “pretende submeter-nos culturalmente”, associando-a a um “avanço do fundamentalismo islâmico”.

Num dos comícios da campanha, Ventura reforçou: “Não queremos que ninguém vote em nós ao engano. Podemos ter mais imigrantes, mas os imigrantes têm de cumprir as nossas regras (...). Não queremos mais bandidos em Portugal.”

6. Em Abril passado, o deputado Filipe Melo afirmou o seguinte, em debate sobre a legislação de TVDE, na Assembleia da República: “Até quando é que este Governo vai permitir a bandalheira no sector dos TVDE – e não retiro a palavra, bandalheira? (...) Quantos, mas quantos motoristas de TVDE nem uma palavra falam em português? Espero que com um Governo de direita não nos deixemos levar pela embrulhada que a esquerda quer – que era termos motoristas que nem uma única palavra no nosso país sabem dizer na língua de Camões. Isto é inadmissível.”

7. A 14 de Maio, o deputado do Chega Pedro dos Santos Frazão declarou, na CNN Portugal: “É preciso controlar as hordas de imigrantes que tentam invadir a Europa. Somos pela manutenção de uma Europa cristã, de valores, de tradições, que respeita os seus povos. (...) Hoje a Europa está a ser invadida por vários povos extra-europeus e isso está a colocar em causa o nosso modus vivendi. (...) Temos de defender a Europa. Se for preciso ser com muros, que seja.” Na rede social X, ao partilhar as suas próprias declarações, ainda escreveu: “A Europa não é o caixote do lixo dos outros continentes!”

8. Na semana passada, a conta oficial do Chega no X partilhou um vídeo que pretende mostrar um homem a tentar agredir outro com uma arma branca (segundo o Correio da Manhã, na estação rodoviária de Agualva-Cacém). Apesar de os envolvidos não terem sido identificados publicamente, o Chega decidiu comentar as imagens com base na única informação sobre as suas identidades que o vídeo permite retirar — ambos são homens negros. “Até andar de transportes públicos em Portugal deixou de ser seguro. Um indivíduo com uma faca tenta atacar outro. Isto é resultado da impunidade que os criminosos têm e da política de imigração de portas escancaradas. É preciso mão firme para pôr fim a isto!"

9. No último domingo, na convenção do partido de extrema-direita Vox, em Madrid, André Ventura defendeu que é preciso “dizer à Europa” que não é possível continuar a permitir a “entrada massiva de imigrantes islâmicos e muçulmanos”. “Queremos fronteiras fortes em Portugal, em Espanha e na Europa toda. Porque a Europa é nossa."

10. Caso nenhuma destas tomadas de posição fossem esclarecedoras, Ricardo Lopes Reis, membro da direcção da Juventude do Chega e assessor do grupo parlamentar do partido, ajuda: “Por uma Europa de nações fortes, contra a imigração e na defesa do futuro da Europa”, escreveu no X, saudando o novo Governo dos Países Baixos, liderado por Geert Wilders, que pretende implementar uma política migratória altamente restritiva.

Noutro tweet de Ricardo Lopes Reis, lê-se: “Não podemos ter portas abertas à invasão migratória. Ser português é mais do que um cartão de cidadão. É uma herança de gerações, que ultrapassa o simples nascimento em solo nacional. Não é português — nem nunca será — qualquer um que o queira. E a CPLP não pode ter acesso desgovernado a vistos de residência, devendo estes acordos ser revogados com urgência!”

Um último: “São vários os casos de roubo, agressão, violação, assédio, entre tantos outros, por parte de imigrantes a portugueses! Não estamos seguros! É preciso controlar fronteiras e iniciar deportações em massa!”

Veredicto

Basta recordar discursos dos últimos anos, visitar as páginas de dirigentes e deputados do Chega nas redes sociais ou ouvir regularmente André Ventura para concluir que o partido já fez vários "discursos contra os imigrantes", na escolha de palavras de Tânger Corrêa, contrariando assim a afirmação do candidato ao Parlamento Europeu.

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