Que Europa é essa que prefere o comércio de armas à diplomacia?

Uma UE que substitui a guerra contra as desigualdades e os crimes contra os direitos humanos por uma guerra de canhões e de metralhadoras terá imensa dificuldade em galvanizar a juventude.

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Os portugueses são chamados às urnas a 9 de Junho para elegerem os seus 21 representantes no Parlamento da União Europeia, o qual passa a ser composto por 720 membros. No último mandato, dos 21 então eleitos por seis listas dos 17 partidos que concorreram, nove renunciaram durante o decurso do mandato, um faleceu e um outro desvinculou-se do partido pelo qual se apresentara e declarou-se independente. Aqueles 21 eurodeputados foram eleitos por 30,7% do nosso eleitorado. Passo por alto a apreciação da assiduidade de uns e de outros nos trabalhos dessa assembleia, pois receio que os resultados fossem muito deprimentes em certos casos.

Atrevo-me a prever que o nível de abstenção no dia 9 deste ano venha a ser ainda superior aos 59,3% registado em 2019 mas desejo sinceramente estar muito enganado pois ainda acredito que é possível transformar a União Europeia numa realidade que defenda e proteja os cidadãos europeus e que nos garanta um clima de prosperidade, de solidariedade e de paz.

Infelizmente, o início da campanha eleitoral vem dando sinais de que as diversas forças políticas que se apresentam à escolha dos cidadãos não vão conseguir motivar a esmagadora maioria dos nossos conterrâneos a deslocarem-se nesse dia às mesas de voto. É certo que este sistema de eleições por listas não é suficientemente transparente de forma a demonstrar que o voto individual de cada um contribui para eleger os n.°s 3 ou 4 da lista preferida visto que todo o protagonismo se concentra nos cabeças de lista como se estes fossem as únicas estrelas possíveis de um concurso da Eurovisão. Se não, veja-se quantos de nós sabe ou conhece, por exemplo, o trabalho da ainda sra. eurodeputada Sara Cerdas ou do ainda sr. eurodeputado Francisco Guerreiro.

Mesmo se nos referirmos aos novos candidatos, sabendo-se que o PSD tem a ambição de eleger 7 eurodeputados, quantas pessoas sabem que se votarem nessa lista estarão a ajudar a eleger o sr. Paulo Nascimento Cabral, ou se preferirem pôr a cruz na lista do PS, que parece ter a mesma ambição, estarão a contribuir para a eleição da Sra. Isilda Gomes. Por muito respeitáveis que ambos sejam, e sê-lo-ão com certeza, o que sabemos nós do que pensam da União Europeia e o que se propõem defender naquele Parlamento?

Dito isto, admito que o principal problema que explica uma crescente indiferença do eleitorado face a estas eleições esteja sobretudo relacionado com a imagem que as diferentes instituições da UE vêm criando ao longo dos tempos e sobretudo nos mais recentes anos. Poderia começar por apontar a arquitectura da União Monetária, cuja democraticidade é discutível a vários níveis e cujo controlo, aos olhos do cidadão comum, escapa substancialmente aos eleitos, apesar de integrar decisões que se repercutem dramaticamente na vida diária de cada cidadão. Poderia continuar com outros exemplos, como no sector da Política Agrícola Comum ou no exercício da política comercial com países terceiros para demonstrar que, tanto num como no outro caso, a influência dos parlamentares europeus, nomeadamente dos "nossos" 21, é despicienda.

Prefiro, por achar talvez mais aparente e mais actual, referir-me à política externa tal como vem sendo protagonizada pela Comissão Europeia e pelo Conselho Europeu, nomeadamente no que diz respeito à guerra na Ucrânia e sobretudo ao que se passa em Gaza e na Cisjordânia. Para usar uma linguagem mais crua, diria que falar a esse propósito de uma política da União Europeia é já em si uma semântica manhosa pois a coisa resume-se a umas declarações deste ou daquele, tantas vezes descoordenadas ou contraditórias.

Não obstante as reclamadas aspirações em atribuir à UE um papel preponderante na cena internacional, o que se constata é a total e embaraçosa irrelevância da mesma, para não falar num mero seguidismo humilhante escondido por um balbuciar cínico e gago. A campeã dos valores da paz e dos direitos humanos, que iniciativas credíveis tomou nesses casos para os obter juntos dos intervenientes principais? Zero! E contudo saem à rua tantos milhares de europeus a reclamar medidas para afinal encontrarem em face deles e em tantas capitais as forças de repressão mandadas pelas respectivas autoridades nacionais. Que Europa é essa que prefere o incremento da produção e exportação do comércio de armas ao mesmo tempo que abdica das alavancas diplomáticas que diz possuir?

Uma União Europeia que substitui a guerra contra as desigualdades, as injustiças e os crimes contra os direitos humanos por uma guerra de canhões e de metralhadoras é obviamente uma União Europeia que terá imensa dificuldade em galvanizar uma juventude ávida de um futuro decente e uma população que dela esperava resultados contra a especulação imobiliária, a carestia e o agravamento das condições de vida.

Sim, é preciso uma Europa. Uma Europa de paz, uma Europa dos cidadãos e de solidariedade. É esse voto que importa.

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