A buganvília caiu
Nos últimos dias não consigo escrever sobre quase nada. A minha vontade é apenas repetir, vezes sem conta, que a buganvília caiu.
Há acontecimentos tristes que não chamam a escrita. Chamam outras coisas. Sobretudo abraços. A partida da minha tia foi assim. Uso o eufemismo porque ainda estou e estamos a lidar com isto. Tem sido uma Primavera agreste. Com esta tristeza por sentirmos que foi embora a melhor de nós. Desde então, parece que todas as coisas que existem estão diferentes. Afinal, é verdade que a paisagem pode mudar, mesmo se estivermos muito quietos. E está tudo mais ventoso, mais acre, mais vazio.
O mais difícil de tudo, ver um pai, tios e primos a chorar. Prefiro não ir por esse caminho, até porque a tia Paula nunca foi por esse caminho.
Posso contar que na noite em que ela nos deixou, a buganvília do meu pequeno jardim caiu. Soltou-se da parede e caiu no chão. Quando, após ter recebido a notícia, saí de casa, vi que a árvore estava no chão, e quase me juntei a ela.
Muito haveria para dizer do maior exemplo de mulher que conheci. Sempre representou o equilíbrio, a bondade e a justiça que não vi em mais ninguém.
Mas ela, com a sua elegância, gostaria que eu falasse de outros temas. Sabia dar valor às coisas pequeninas, com a sabedoria de quem percebe que são, muitas vezes, as melhores.
Nos dias finais deu-me os brincos, lindos, pequeninos, que agora têm qualquer coisa de talismã. Pediu os gelados de que mais gostávamos e que são, também, pequenos. Partilhámos a irritação pela notícia de que a Magnum ia deixar de os fabricar.
Sim, as maiores coisas vêm em gestos minúsculos.
Entendíamo-nos muito bem as duas. Segredávamos, de mão dada, sobre os outros membros da família. Se eles falavam de doenças e de tragédias, nós ficávamos a cochichar acerca de outros assuntos, irrelevantes, mas que nos deixavam contentes.
A última mensagem que recebemos sua, que já reli muitas vezes, foi a falar de como os jardins do hospital eram bonitos.
Nos últimos dias não consigo escrever sobre quase nada. A minha vontade é apenas repetir, vezes sem conta, que a buganvília caiu.
Mas não há melhor homenagem do que a de fazermos como ela: Não sucumbir, não ceder. E continuarmos sempre a reparar nos nossos jardins.