Redução da produção de plástico bloqueia negociações para tratado da ONU contra a poluição

Vai haver reuniões de especialistas até á próxima ronda negocial, em Novembro, mas não sobre limitar fabrico de plásticos. Nações com forte indústria petroquímica querem focar-se na reciclagem.

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A escultura alusiva à poluição por plástico na entrada do local das negocações no Canadá Artan Jama/UNEP
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A quarta ronda de negociações sobre um futuro tratado global das Nações Unidas para combater a crescente poluição por plásticos encerrou na terça-feira, em Otava (Canadá) sem que tenha havido acordo sobre uma proposta para considerar a imposição de limites à produção de plástico. Mas o tempo urge: o tratado deveria estar pronto até ao fim deste ano.

Os Estados-membros da ONU concordaram em que sejam promovidas reuniões de trabalho sobre temas específicos até à próxima ronda de negociações, a quinta e final, que deverá ter início em Busan, na Coreia do Sul, a 25 de Novembro. Em análise estarão temas como a forma de identificar as substâncias químicas perigosas presentes nos produtos de plástico, como redesenhar as embalagens e métodos de financiamento dos esforços para combater a poluição do plástico. Mas não limitações à produção de plástico.

Isto não garante que teremos um tratado para travar a poluição por plástico pronto no final de 2024, como se pretendia. nota o Centro Internacional de Legislação Ambiental (CIEL, na sigla em inglês), uma organização não governamental (ONG) especializada em direito do ambiente, com sede em Washington, nos Estados Unidos.

“Ainda não se formalizou como é que vão ser tomadas decisões substantivas e a nuvem da incerteza em torno do processo decisório continua a atrasar as negociações para haver um tratado que trate da poluição por plástico de forma efectiva”, comentou Melissa Blue Sky, advogada do CIEL, citada num comunicado de imprensa da ONG.

“Para resolver as questões mais difíceis, temos de saber: os Estados vão ter a coragem de dizer ‘já basta’ e garantir que as decisões serão aprovadas por maioria, ou vão continuar a permitir que países obstrucionistas bloqueiem as negociações ameaçando com o veto?”, interrogou Melissa Blue Sky.

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Limpeza de um derrame de pellets de plástico na Galiza, no início de 2024 Tiago Bernardo Lopes

Os negociadores debateram até perto das 2h00 desta terça-feira (menos cinco horas que em Portugal continental), quase seis horas depois de o presidente das negociações, Luis Vayas Valdivieso, do Equador, ter aberto o que deveria ser a sessão plenária de encerramento desta ronda de negociações.

Mais de 50 países apoiaram uma proposta do Ruanda e do Peru para passar os meses até Novembro a analisar os níveis sustentáveis de produção de plástico. Com a produção de plástico a caminho de triplicar até 2050, esses níveis “são insustentáveis e excedem em muito as nossas capacidades de reciclagem e gestão de resíduos”, disse a negociadora-chefe do Ruanda, Juliet Kabera, citada pela Reuters.

Produtores de petróleo resistem

Mais de 60 países exigiram que o futuro tratado incluísse limites à produção de novos produtos de plástico, entre os quais a União Europeia (onde se inclui Portugal), o Ruanda, Peru, Noruega e Gana – que se autodefinem com Coligação de Ambição Elevada.

Estes esforços enfrentam uma cerrada oposição de países produtores de petróleo – a matéria-prima de que são feitos os plásticos – ou forte indústria petroquímica, cujos interesses económicos poderiam ser afectados se forem impostos limites ao fabrico de novos plásticos. São países como a Arábia Saudita, que defendem que o foco deve ser posto em medidas de reciclagem e reaproveitamento, e não de contenção da produção.

Estes países, apoiados por um forte contingente de lobbies ligados à indústria petroquímica – perto de 200, segundo uma análise do CIEL – presentes nas negociações em Otava, afirmam que até Busan, em Novembro, é melhor não mexer em assuntos problemáticos. Os países devem concentrar-se “assuntos não contenciosos”, como a concepção de produtos de plástico que utilizem menos plástico ou que sejam mais facilmente recicláveis, defendeu o negociador principal da China em Otava, Yang Xiaoling, citado pela Reuters.

Ora, este é o caminho para um tratado falhado, sem impacto, alertam cientistas e activistas, que querem ver os países a tomar decisões, em vez de expressar apenas boas intenções. “Vimos muitos países afirmar que é importante que o tratado lide com a produção de polímeros plásticos primários. Mas quando é preciso ir além de declarações vazias, vimos que os Estados mais desenvolvidos que dizem estar a liderar a transição para um mundo livre de poluição por plástico abandonam essas intenções logo que os maiores poluidores começam a olhar para eles de lado”, afirmou David Azoulay, também do CIEL.

Esta acusação de hipocrisia é dirigida a vários membros da Coligação de Ambição Elevada, incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, neste último caso o maior exportador mundial de petróleo e gás natural. “Os EUA têm de deixar de fingir que são líderes no progresso e reconhecer a sua responsabilidade no fracasso das negociações”, disse o presidente do CIEL Carroll Muffett.

“Os Estados Unidos afirmaram no G7 (grupo das sete nações mais industrializadas] o seu compromisso com a redução da poluição por plástico. Mas intencionalmente bloquearam os esforços para que isso acontecesse nas negociações”, acusa Muffett. “É de perguntar à delegação dos EUA nas negociações do tratado para o plástico se não receberam a agenda de protecção da saúde e dos direitos humanos em relação à ameaça que representa a poluição por plástico, ou se a Administração do Presidente Joe Biden se esqueceu de a enviar…”

As negociações têm sido minadas pela presença de lobbies da indústria petroquímica. Dezenas de investigadores da Coligação de Cientistas para um Tratado dos Plásticos Eficaz estiveram em Otava a dispensar informação e dados correctos sobre a poluição por plástico aos membros das delegações dos países, que são alvo de desinformação destes lobbies, relata a Associated Press. E, em alguns casos, os cientistas são alvo de acosso por estes lobistas.

Bethanie Carney Almroth, especialista em ecotoxilogia da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, contou à agência noticiosa norte-americana que um destes lobbyistas esteve a gritar com ela. E que ela desmontou verdadeiras mentiras. “Ouvi aqui dizer que não há dados sobre os microplásticos – o que é falso, facilmente verificável que é falso. Foram publicados mais de 21 mil estudos sobre poluição por micro e nanoplásticos”, afirmou a cientista.

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