A paz na Europa

Vai longe o tempo em que se considerava a Europa um paraíso de regras, paz e comércio, uma terra de pombas, rodeado por mundo hostil, dominado pela força, polvilhado de falcões. O discurso mudou.

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As surpreendentes declarações do presidente francês acerca do eventual envio de militares da União Europeia para a frente russo-ucraniana, bem como a realização do último Conselho Europeu sobre Segurança e Política Externa, colocam na ordem do dia a disponibilidade dos europeus para se sacrificarem numa nova guerra.

Ora a perspetiva de uma guerra alargada no futuro europeu coloca desafios que exigem uma grande estratégia, clara e mobilizadora, para a enfrentar com sucesso. A este propósito e assinalando as atuais dificuldades da Europa, Miguel Monjardino aludia recentemente a um inverno estratégico europeu.

E essa grande estratégia é tão mais importante, quando, ao risco da frente europeia a leste, se juntou a guerra em Gaza e a pirataria dos Houthis no Índico, enquanto acontecimentos impactantes do futuro imediato da Europa e do mundo. A que podemos ainda adicionar a incerteza sobre rumo dos Estados Unidos da América após as eleições de novembro.

É certo que, para os europeus, a guerra tem sido tema recorrente da sua existência coletiva. A paz, essa, ao invés, tem sido infelizmente a verdadeira exceção. E a Europa do pós-Segunda Guerra Mundial fez-se, por isso, de dois grandes momentos. De 1945-1989, procurou-se construir a paz. De 1989-2022, aproveitou-se para viver e desfrutar da paz. Bruscamente, em 2022, a Europa acordou novamente para o fim dessa paz que, afinal, era tudo menos perpétua, aí se iniciando o momento intranquilo em que nos encontramos.

Vai longe o tempo em que se considerava a Europa um império de virtudes, um paraíso de regras, paz e comércio, uma terra de pombas, rodeado por um mundo hostil, dominado pela força, polvilhado de falcões. Agora o discurso mudou.

Um exército europeu, uma nova indústria europeia de defesa, munições europeias? Mas como, com que meios, estruturas e resultados no curto prazo? Quem assumirá os custos desses investimentos, quem gerirá a novas realidades? Os Estados nacionais, a União Europeia, a NATO? Ninguém sabe dizer ao certo.

No meu entendimento, todavia, uma grande estratégia que volte a sustentar uma paz duradoura deve continuar, por razões práticas, logísticas e simbólicas, assente nos respetivos Estados. Ou seja, apesar de todos os esforços para garantir uma autonomia estratégica europeia, a NATO, enquanto rede transatlântica de defesa comum, deverá continuar a ser o braço armado, o pilar da defesa europeia.

Assim, garantir a paz na Europa poderá significar, como referiu o presidente Macron, provavelmente temendo pelo seu legado interno, que os europeus do Ocidente, enquadrados pelo guarda-chuva da NATO, tenham de fazer a guerra, combater pelo seu chão sagrado e pela sua liberdade, contra uma qualquer Eurásia, dominada pela Rússia ou pela China, numa ordem planetária cada vez mais agónica e poliárquica.

Espero que a 9 de junho, quando os portugueses votarem para escolher os seus representantes no Parlamento Europeu, enxerguem para lá do efémero, para além da espuma dos dias, com plena consciência das novas circunstâncias.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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