Bispos unânimes em compensar financeiramente as vítimas de abusos no seio da Igreja

Todas as dioceses vão contribuir para um fundo solidário de reparação às vítimas. Modelo surge da proposta do Grupo Vita sobre critérios da atribuição e da respectiva contraproposta dos bispos.

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Bispos estiveram reunidos em Fátima desde segunda-feira Manuel Roberto
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A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) aprovou, por unanimidade, “a atribuição de compensações financeiras a vítimas de abusos sexuais” contra crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal, bem como a criação de uma comissão de avaliação para determinar os montantes das compensações a atribuir e ainda a constituição de um fundo solidário para sustentar essas compensações, e para o qual vão contribuir todas as comissões diocesanas.

Do comunicado divulgado no final da sua Assembleia Plenária, que decorreu em Fátima, entre segunda e esta quinta-feira, e da conferência de imprensa de D. José Ornelas, presidente da CEP, na mesma ocasião, ficou ainda a saber-se que, “para dar seguimento a este processo” de atribuição de compensações “com carácter supletivo”, os pedidos “deverão ser apresentados ao Grupo Vita ou às Comissões Diocesanas de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis entre Junho e Dezembro de 2024”.

Apenas serão compensadas financeiramente as vítimas que “expressamente” façam o pedido porque “há pessoas que, à partida, dizem que não querem receber nada” porque o sofrimento “não tem preço, explicitou ​D. José Ornelas​.

O Grupo Vita é a estrutura criada pela Igreja Católica, em Maio de 2023, para acompanhar as vítimas de abuso sexual no contexto eclesial. O grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas entregou, no passado mês de Fevereiro, à CEP uma proposta de possíveis critérios a seguir na atribuição de uma reparação moral, em termos financeiros, às vítimas de abuso sexual de crianças no seio da Igreja Católica em Portugal.

Novos pedidos

Contactada, Rute Agulhas congratula-se pela decisão anunciada que a levou a estar grande parte da tarde ao telefone com pessoas que a contactaram assim que foi feito o anúncio. "Pessoas que já apresentaram pedidos de compensação [22 até ao momento] e perguntam como tudo se vai processar, mas também pessoas que vão agora apresentar o pedido", diz. O termo indemnização não é aqui usado, por não ser a reparação financeira das vítimas, neste contexto, resultado de uma decisão judicial.

E explica que o "carácter supletivo" das compensações a serem atribuídas se deve a que a compensação monetária é um complemento. "Para as pessoas, o mais importante é um outro tipo de reparação, como um pedido de desculpas da Igreja, um encontro com os bispos, o apoio psicológico ou psiquiátrico", exemplifica. "Por isso este é supletivo."

"Foi com algum agrado que recebi a notícia", continua Rute Agulhas. Parte desse agrado prende-se com o facto de terem sido ultrapassadas divergências entre bispos, e eventuais reticências de alguns que veriam como solução o pagamento das compensações às vítimas pelos próprios abusadores e não pela instituição.

Processo de várias etapas

"Esta unanimidade é um primeiro passo, sem dúvida, de um processo que vai ter várias etapas", disse ainda Rute Agulhas, sem nunca revelar aquela que foi a sua proposta nem a contraproposta da CEP: uma e outra serão objecto de negociação para se chegar a um acordo relativamente aos valores, aos critérios de inclusão ou de exclusão e às normas para proceder. "A única coisa que posso dizer já o disse: para as próximas etapas, a avaliação tem de ser feita caso a caso."

Questionado pelos jornalistas sobre "uma ordem de grandeza para as compensações", o bispo de Leiria e Fátima apenas informou que não terão um valor limite pré-estabelecido e que o fundo solidário não tem um montante global definido. Cada diocese contribuirá em função da sua possibilidade.

É uma vontade expressa da CEP de se pôr ao lado da vítima", disse numa menção ao facto de estas reparações serem alheias e autónomas a qualquer decisão judicial. "Constituímos este fundo, antes de mais como Igreja. Esse fundo vai ser aberto às dioceses e a todas as entidades que queiram contribuir. Vamos todas contribuir para que não fique simplesmente a cargo de uma diocese”, disse D. José Ornelas sobre casos de uma eventual “responsabilidade directa” de pessoas ligadas a uma determinada diocese em casos que venham a ser analisados a partir de Junho, com a intervenção do Grupo Vita e das comissões diocesanas.

O Vita foi criado pouco depois do fim dos trabalhos da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, constituída pela CEP, que em Fevereiro do ano passado apresentou o seu relatório concluindo para a existência de pelo menos 4815 vítimas, nos últimos 70 anos, tendo sido validados 512 testemunhos, como referiu o coordenador e pedopsiquiatra Pedro Strecht.

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