Não está na moda ter cancro da pele

Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo, mas a esperança de vida não corresponde necessariamente a pessoas muito saudáveis, mas a pessoas polimedicadas.

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O protector solar é apenas um creme que confere uma proteção relativa Andrea Piacquadio/pexels
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Em Portugal existe um problema de saúde pública relacionado com a prevenção primária. Fala-se todos os dias nas dificuldades que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta. É verdade que são muitas. Após 45 anos de existência, o SNS que foi uma grande realização do regime democrático, falha em responder à procura crescente de consultas e dos atos médicos que lhe estão associados. Há que analisar as causas deste impasse.

A capacidade de resposta de um serviço público é um balanço entre a oferta e a procura. Sabemos que há dificuldade em fixar os médicos no SNS, eles que foram essenciais na sua criação. Fundar e mantê-lo ao mais alto nível é uma missão desinteressada e altruísta, não uma atividade meramente lucrativa. Os tempos mudaram o que tem implicações várias a muitos níveis, mas essa análise não é o objetivo deste artigo. Vou focar-me na questão da procura em relação ao cancro cutâneo.

Uma população envelhecida como a portuguesa tem naturalmente mais doenças, nomeadamente, oncológicas o que constituí uma sobrecarga para os serviços de saúde, tanto em termos de recursos humanos como monetários. Estes centram-se nos cuidados secundários e terciários. Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo, mas a esperança de vida não corresponde necessariamente a pessoas muito saudáveis, mas a pessoas polimedicadas. A polimedicação deriva obviamente das consultas de vigilância e dos cofres públicos. Aqui chegados, a questão que se coloca é esta: como conseguir que uma população longeva como a nossa seja mais saudável? A resposta parece simples: apostando na prevenção ao invés de oferecer tratamentos, de forma a aliviar a enorme carga que recai sobre os cuidados secundários.

Tal como acontece com outras doenças não dermatológicas, a maioria dos cancros da pele podem prevenir-se. Sendo a teoria óbvia já passar à prática é uma tarefa árdua, tantas vezes inglória. Há falhas grandes na transmissão de mensagens relacionadas com a educação para a saúde, um objetivo que considero absolutamente essencial do ponto de vista civilizacional e da gestão da "coisa pública". Não é apenas a patologia da pele que está em causa, mas outros malefícios como a obesidade, o tabagismo, etc., isto para dar alguns exemplos que ajudam a contextualizar a dimensão do que está em causa.

Creio que a principal razão para esta dificuldade de comunicação com as pessoas deve-se ao facto de a prevenção implicar alteração de comportamentos tanto no dia-a-dia como nos tempos de lazer, e isso é interpretado como uma interferência do médico na liberdade individual dos seus doentes. A um nível mais elevado como ingerência das autoridades de saúde na vida dos cidadãos. Ainda não se encontrou a fórmula perfeita neste propósito de educar para a saúde. Estamos sob o estigma da proibição, do sermão ou do julgamento moral. É impensável em 2024 alguém dizer "o médico proibiu-me isto ou aquilo" como há 40 anos...

Será a praia a fábrica dos cancros da pele?

Dito isto, vamos ao cancro da pele. O principal fator de risco é a exposição solar. A minha experiência pessoal (sou uma dermatologista ligada à área do diagnóstico e tratamento do cancro cutâneo) é que é quase impossível convencer as pessoas, com ou sem antecedentes de cancro da pele, a terem cuidado com o sol. É frequente ver escaldões nas minhas consultas de vigilância de sinais. Há sempre um motivo: "foi só desta vez", "foi um descuido", "estava um dia nublado", "fui correr", "estive num casamento ao meio-dia", "estive apenas 20 minutos numa esplanada", "mas eu coloquei protetor solar"... As histórias repetem-se de ano para ano, de um utente para o seguinte. Eu respondo sempre: "não foi correr nem esteve numa esplanada ou num casamento". É preciso acrescentar: "esteve nesses locais com uma camisola de cavas ou um vestido decotado, sem chapéu, à hora de maior quantidade de radiação solar, entre as 11 e as 17 horas..."

O uso do protetor solar é insuficiente. É apenas um creme que confere uma proteção relativa, por um período limitado, se aplicado na quantidade certa. Mas não substitui nenhum dos outros cuidados: o mais eficaz de todos é não estar ao ar livre a determinadas horas chamadas perigosas, em determinados meses do ano que são os da primavera e verão; substituir a praia pelo museu, a areia pela sombra do pinhal, a sesta na praia pela sesta em casa, a roupa que descobre o corpo pela roupa que protege a pele.

Existem dois tipos de cancro da pele provocados pelo sol: os carcinomas baso e espinocelulares (a que se acrescentam as lesões pré-malignas que são as queratoses actínicas, umas escamas amareladas que estão presentes em praticamente todos os couros cabeludos de homens calvos com pele clara) e os melanomas malignos. Os primeiros dois tipos surgem na sequência de exposição crónica ao sol. São comuns em trabalhadores rurais. Já os melanomas malignos aparecem em pessoas de pele clara que frequentaram amiúde a praia e apanharam escaldões quando eram jovens. O melanoma maligno pode confundir-se com um banal sinal e pode pôr a vida em risco através da metastização para outros órgãos.

Muitas vezes dizem-me, "mas agora já há mais informação antigamente ninguém falava nisto..." Isto só é parcialmente verdadeiro. Basta ver as fotografias das ceifeiras do Alentejo (há algumas lindíssimas do Rui Ochôa), para percebermos como essas mulheres se protegiam da cabeça aos pés, com chapéu, lenço preso no pescoço com um alfinete, mangas compridas e meias grossas. Isto para enfrentarem o sol escaldante, sob o qual labutavam de sol a sol. Ou ler as regras da etiqueta que ditavam manga comprida de dia, cavas e decotes para a noite.

Foi sobretudo nos anos 1980 que o bronzeado se tornou moda, danificando a pele das pessoas de uma forma voluntária: provoca rugas e manchas permanentes, os lêntigos solares, mas também cancros da pele. Quando ao famigerado deficit de vitamina D não é o bronzeado que o vai salvar porque quanto mais escura é a pele menor a absorção da mesma. Em suma, a prevenção é essencial para envelhecer o mais lentamente possível (repito que o sol provoca fotoenvelhecimento) e para evitar o aparecimento de cancro da pele. O rastreio e diagnóstico precoce são armas insubstituíveis para evitar desfechos indesejáveis, tal como o autoexame: quanto melhor se conhecer a própria pele, um órgão exposto, facilmente observável a olho nu, mais rapidamente se detetam alterações.

Uma última palavra sobre as cabines de solário: são totalmente proibidas pelos dermatologistas. Já as loções autobronzeadoras podem ser usadas sem restrições.

Qualquer dúvida sobre estes assuntos pode consultar-se a página da Associação Portuguesa do Cancro Cutâneo, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera que traz o índice diário de radiação ultravioleta na atmosfera, e por último, mas não menos importante, o médico dermatologista.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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